Diário do Alentejo

Destroços
Opinião

Destroços

Vítor Encarnação, escritor

23 de julho 2019 - 11:25

Filho, nunca te construas sobre os destroços dos outros, não te aproveites das fraquezas dos que estão no chão, nunca lhes pises as lágrimas, as lágrimas são uma coisa sagrada, as lágrimas são uma amargura líquida que a tristeza descobriu para a dor não furar os olhos, as lágrimas devem respeitar-se sempre, nunca rias do infortúnio, nunca esperes pela sua derrota para cantares a tua vitória. Os cínicos e os velhacos dançam sobre o corpo dos mais frágeis, brindam à sua perda, aguardam a queda para erguerem punhos e bandeiras e gritarem contentamentos.

 

Nunca sintas prazer em ver pessoas prostradas, nem mesmo os que não gostam de ti, se puderes, se conseguires, eu sei que é tão difícil, gosta dos que não gostam de ti, esvazia o ódio, pelo menos tenta, vais ver que isso te trará paz. Esvaziar o ódio é o encargo dos homens bons, nada há de mais grandioso do que perdoar. Se algum dia a vingança assomar ao pensamento, sorri para dentro, mostra-lhe a candura, vais ver que ela se vai embora, a vingança só está habituada a feitios rudes e maliciosos.

 

Acredita em mim, tu não precisas de planear a desforra, a desforra é a doentia construção da raiva e a raiva cega-te o coração. Nunca te ergas apoiado no declínio dos outros, nunca lhes vires as costas, quando eles estiverem feitos em pedaços, fica e ajuda-os a construírem-se de novo. Constrói-te com eles.

Comentários