Diário do Alentejo

Estaremos parvos, moles e resignados? Mas porquê?
Opinião

Estaremos parvos, moles e resignados? Mas porquê?

João Paulo Ramôa, engenheiro civil

04 de julho 2019 - 09:00

Quando no regime de Salazar começaram os primeiros estudos sobre uma grande barragem no rio Guadiana, não se pensava, nem se podia pensar, sejamos justos, do impacto que ia ter no futuro, não só na região, como em todo o sul do País. Depois de muitas vicissitudes, o que é certo é que 70 anos depois temos finalmente o nosso Alqueva. Com ele tem chegado o desenvolvimento, a economia a regenerar, a população residente a inverter a tendência de diminuição, a região a contrariar a desertificação territorial, tornando-se mais verde e descarbonizada. Devíamos estar todos contentes! Até há um mês todo o País nos olhava com uma certa dor de cotovelo. Finalmente, no Alentejo, havia oportunidades! Mas, de repente, começa tudo a mudar. Atenção. Nada é por acaso e convém percebermos o que se passa.

 

Já nos fizeram o mesmo quanto ao aeroporto... Custou zero euros ao erário público (nunca ninguém quis explicar que o contribuinte não despendeu um euro sequer para esse investimento) e transformaram aquele que é o único aeroporto com uma zona industrial do País, e que será uma grande fonte de emprego e valor económico para a região e para Portugal, numa anedota nacional. E porquê? As razões são algumas, intencionais, não por acaso, mas são exatamente as mesmas que levam a que agora, a propaganda distorcida, vinda de meio país, olhe para o nosso Alqueva e ache que afinal isto é uma desgraça, seremos os poluidores nacionais, e estamos a estragar tudo e o que é de todos.

 

Seria um artigo longo, o que não quero, e por isso deixo apenas algumas questões, embora abordadas superficialmente. Hoje, Alqueva é muito mais do que um regadio de 110 mil hectares. Brevemente servirá Sines e a sua zona industrial de uma forma decisiva e, a médio prazo, chegará ao Algarve, permitindo o abastecimento público e com enorme impacto para a manutenção do turismo. Pena é que não possamos ter outro Alqueva! Durante muitos anos deitámos para o mar biliões de metros cúbicos de água, sem qualquer benefício ou retorno. Mas, se vamos beneficiar, e bem, outras regiões, também o devemos continuar a fazer na nossa. O mais que pudermos. Mas a discussão está a ficar inquinada por falsas e erradas questões. Propositadamente. E começa-se a pôr em causa pilares de uma estratégia que poderá liquidar Alqueva e fazer estagnar a nossa região.

 

Refiro-me à necessária compatibilização da agricultura com o ambiente. Na minha opinião, devemos fazer o melhor aproveitamento da terra, de produzir o máximo que formos capazes, tornando as terras produtivas, rentáveis, criar empregos e indústrias. Qual é o problema? O ambiente. Ok! Vamos compatibilizar esta questão com a necessária preservação ambiental. Mas nunca numa postura de privilegiar uma vertente em detrimento de outra. Isto é, temos de o fazer com um olhar 50-50 e não 75 para agricultura e 25 para o ambiente, ou vice-versa, pois também o ambiente, não só por uma questão de saúde, de preservação da qualidade da água subterrânea, mas também é um fator de atividade económica, de futuro e de desenvolvimento. Isto é, no final do ciclo, ganhamos todos muito mais se equilibrarmos os pratos da balança.

 

Sermos apenas por um dos lados ou fazer a balança desequilibrar muito para um dos lados, é mau, muito mau. E não me parece difícil consegui-lo. A própria Bayer, que no ano passado comprou a Monsanto, pressionada pelos cerca de 130 000 processos em tribunal por causa do glifosato e pela proibição da utilização em países importantes da EU, e não só, anunciou para os próximos anos um investimento brutal de cinco biliões de euros em investigação, para arranjar um substituto para combater as ervas e que não faça mal às pessoas e aos animais. Também eles perceberam que chegou ao fim o tempo da selvajaria e que as preocupações ambientais são incontornáveis. Por isso, eu acredito que a ciência e a tecnologia vão resolver esta questão, se assim se quiser pô-la na ordem do dia. E parece que chegou esse momento. Ate lá, será preciso calma, bom senso e equilíbrio, pois, se o soubermos fazer, vamos ter produção intensiva e preservação ambiental em simultâneo, resultando em muito mais desenvolvimento, trabalho, atividade económica e emprego.

 

Por isso, acredito que temos tudo para que corra bem. Mas já vejo as mesmas e velhas rasteiras que vi no caso do aeroporto e que atrás abordei. Já muitos, e de todo o lado do País (provavelmente nunca ao Alentejo vieram), estão a denegrir o que aqui está a acontecer e pode acontecer. E isto é muito perigoso, pois forma a opinião pública. E forma anticorpos que podem levar a decisões incorretas, precipitadas, arrastadas pela demagogia política, como a do atual ministro da Agricultura quando, num simples debate na Assembleia da República, provocado pelo BE, anuncia o fim dos apoios ao olival neste quadro comunitário, pondo em causa muito do Alqueva, e dando um tiro enorme na expectativa da nossa região e dos 50 000 hectares que aí virão (ou se calhar não...). Como se algo tão estruturante e tão importante para o País e para a região se pudesse decidir assim, numa simples frase, sem discussão nem participação dos agricultores e respetivas associações... à laia de conversa de café.

 

Eu apoio a produção intensiva. Mas apoio em total equilíbrio com a preservação do ambiente. A tecnologia e a investigação irão permitir fazer esta compatibilização com equilíbrio. Desequilibrar os pratos da balança, a favor de um ou de outro, é perdermos todos. E aí sim, teremos um futuro muito negro, ou de terra queimada (se apostarmos com força na agricultura) ou de terra desertificada (se for uma aposta forte no ambiente), totalmente desmerecedores de todos aqueles que no passado lutaram com sangue, suor e lágrimas para que as gerações vindouras tivessem o nosso Alqueva.

 

Gostaria muito de ver os nossos autarcas, responsáveis políticos, únicos com funções executivas na nossa região, despir a camisola partidária e defenderem os interesses dos alentejanos na globalidade e não apenas do seu concelho. Não me sobra, porém, muita esperança, pois, até aqui, as atitudes de união e capacidade de intervenção que demonstraram foram quase nulas. Veja-se, por exemplo, (para não falar do comboio ou da autoestrada) como se têm posicionado na área da saúde, com deplorável inação, sem união nem capacidade de intervenção, assistindo todos nós, parvos, moles e resignados, ao desmantelamento do nosso hospital, que caminha a passos largos para que daqui a meia dúzia de anos não seja mais do que uma grande unidade de cuidados continuados. Mas por que é que isto tem de ser assim?

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