Diário do Alentejo

Em caso de substituição do bem, o consumidor terá de suportar os custos da “normal utilização do bem substituído”?
Opinião

Em caso de substituição do bem, o consumidor terá de suportar os custos da “normal utilização do bem substituído”?

Mário Frota, presidente emérito da Associação Portuguesa de Direito ao Consumo e presidente do Instituto Luso-Brasileiro de Direito do Consumo

21 de agosto 2022 - 14:15

A substituição é, de par com outros, um dos remédios de que, no âmbito da garantia legal dos bens, o consumidor pode lançar mão para bem exercer o seu direito e ver reposta a conformidade com o contrato. E situa-se até no patamar primeiro, em paralelo com a reparação.

Em caso de substituição do bem, há algum valor devido pelo bem substituído, pelo uso que o consumidor lhe tiver dado? Ou seja, o período durante o qual o consumidor fruiu do bem, o valor que daí resulta, terá de ser compensado ao fornecedor ou produtor, se acaso o consumidor se voltar, no quadro da acção directa, contra o produtor que não contra o fornecedor com quem directamente contratou?

Os tribunais, ao que parece, decidiam invariavelmente nesse sentido, no caso paralelo da extinção do contrato, a menos que uso nenhum se houvesse dado à coisa. Como exemplo paradigmático, o de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, lavrado pelo Conselheiro João Camilo, a 05 de Maio de 2015, do teor seguinte:

“III - Apurando-se que o veículo vendido, apesar dos defeitos não eliminados, continuou a circular sem limitações na respectiva capacidade de circulação e sem afectar a segurança dos passageiros, percorrendo, em três anos e meio, 59 mil quilómetros, a devolução do valor do veículo a efectuar pelo devedor, em consequência da resolução e como correspectivo da devolução do carro, deve limitar-se ao valor deste, na data do trânsito em julgado."

Claro que, nestas condições, não é de substituição que se trata, mas de resolução [extinção] do contrato como remédio adoptado. Mas, de qualquer forma, poderia ser levado o mesmo raciocínio à situação equivalente da substituição. E não é o caso! Mesmo no caso dos automóveis a coisa não pode ser tomada à letra porque, não se ignore que, quando o veículo desce a rampa do estabelecimento em direcção à via pública desvaloriza logo 30 ou 40%...

Ora, o bem substituído teria nestas condições um valor venal baixíssimo, se fosse o caso, o que deixaria o consumidor em palpos de aranha, como que lhe competindo custear o bem de substituição quase na íntegra por dele haver colhido o uso durante um certo período de tempo. Com os automóveis isso é patente!

O que a Lei Nova das Garantias dos Bens de Consumo, em vigor desde o 1.º de Janeiro próximo passado, estabelece a este propósito é que “Havendo substituição do bem, o fornecedor é responsável por qualquer não conformidade que ocorra no lapso de 3 anos” [começa a correr uma nova garantia inerente ao bem de substituição] “Em caso de substituição do bem, não pode ser cobrado ao consumidor qualquer custo inerente à normal utilização do bem substituído.” Trata-se, com efeito, de uma inovação de saudar. Que cumpre, a todos os títulos, registar, dando dela pública nota para que o seu desconhecimento não tenha reflexos negativos no estatuto do consumidor. Fique o registo!

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