Diário do Alentejo

Mário Elias
Opinião

Mário Elias

José Saúde, jornalista

23 de março 2022 - 14:25

A vida é uma rápida passagem pelo cosmos terrestre e o ciclo de existência humana é célere. O percurso do ser vivente é variável e a sua cadência pautada pela normalidade. Todavia, há quem ao longo da viagem terrena deixe o seu inteligível saber vincado no reino dos mortais e por onde paulatinamente caminhou. Vasculho, porque o tempo o permite, gavetas de um velho baú e dou por mim a rever um rol de desenhos apoiados em crónicas desportivas trazidos à estampa pelo saudoso Mário Elias, um ícone mertolense que foi bolseiro da Gulbenkian e parceiro de tertúlias na clássica Lisboa com os seus amigos Herberto e Cesariny, de entre outros confrades onde predominavam fidedignos intelectuais.

A sua eloquente e literal mestria na arte da escrita muito o ajudaram para desencantar antigos atletas do distrito de Beja. O tema, nesse tempo, era inserido nas páginas do extinto jornal “O ÁS”, sabendo-se que o “Diário do Alentejo” fora um espaço onde debitou alguns dos seus históricos textos. No periódico “O ÁS” esses textos eram somente desportivos e enriquecidos com excelentes desenhos que ilustravam personagens que ele citava com elevada proficiência. O Mário era um homem simples e desarrumado, mas varão de um povo que copiosamente o respeitava.Recusava entrar pelo interior de uma sociedade que ele próprio intitulava de apodrecida e corrompida. O seu anarquismo fez dele um senhor.

Com ele passei horas a ouvir as suas coerentes ideias. Rejeitava o mundo da vaidade. As suas vestes anunciavam simplicidade e uma sincera humildade, sendo que jamais ostentou o conceito de avareza. Uma humildade que se traduzia numa gigantesca grandeza de espírito. O Mário era uma personalidade nobre. Pintor, jornalista e escritor foram hobbies que lhe preencheram a alma. Foi aquilo que quis ser. Abdicou de fatos de alta-costura, de gravatas de seda e nunca usou chapéus de aba larga, sapatos de marca requintada, esferográficas de etiqueta esmerada nem de explícitos compêndios onde expunha os seus artigos. Conhecemo-lo em calções, camisas debutadas, um gorro de lã na cabeça, quer fizesse frio ou calor, cabelos esbranquiçados ao vento, uns chinelos enfiados nos pés e um maço de papéis desalinhados debaixo do braço, testemunhos que faziam parte do seu espólio literário. Olho para os seus ilustres desenhos onde retratava craques e revejo a dinâmica que o Mário impôs quando um dia se referiu ao seu pai, João Elias, um dos fundadores do Guadiana Foot-Ball Clube no ano de 1926 e a ilustração sensibilizou-me. A energia que o Mário incutiu na tela deu-lhe maior talento quando contemplamos na parte superior do plano o castelo da vila de Mértola. Hoje, na orla do grande rio do Sul é o Futebol Clube Guadiana, fundado em 1 de janeiro de 1947, que dá ênfase aos adeptos da bola na velhinha localidade. Recordando Mário Elias e as suas profícuas narrativas desportivas.

 
Comentários