Diário do Alentejo

2020
Opinião

2020

Luís Godinho, jornalista

30 de junho 2021 - 10:45

As contas sobre a aplicação dos fundos comunitários no âmbito do Portugal 2020 são claras e merecem uma reflexão crítica. Não tanto pelo facto de a cidade de Évora ter, durante a vigência deste Quadro Comunitário de Apoio, recebido 334 milhões de euros de financiamento europeu, ou de o Alentejo Central ter concentrado 35 por cento dos fundos destinados do Alentejo (com exclusão dos concelhos do distrito de Santarém integrados na NUT II), o que compara com os 24 por cento do Baixo Alentejo (que, para efeitos estatísticos não inclui Odemira nem os municípios do Alentejo Litoral) ou com os 21,6 por cento investidos no Alto Alentejo (distrito de Portalegre). É verdade que o investimento alocado à construção do Hospital Central do Alentejo - na ordem dos 40 milhões de euros - e que as verbas correspondentes ao apoio à indústria aeronáutica, que na cidade de Évora estão associados a diversos investimentos privados, ajudam a explicar essa diferença: 408 milhões de euros para o Baixo Alentejo versus 600 milhões no Alentejo Central. Conhecem-se os motivos. Mas não podemos ignorar as consequências. E estas representam o agravamento das assimetrias regionais. Se é verdade, como referia o Programa de Desenvolvimento Regional (PDR), que a nível nacional "o Alentejo apresenta um posicionamento desfavorável, uma vez que os seus níveis de PIB ‘per capita’ foram sempre inferiores à média nacional", não é menos evidente a existência de "disparidades" na NUT II, em prejuízo para o Baixo Alentejo (mas não só), e que o ciclo de fundos comunitários que agora termina não apenas não atenuou, como terá mesmo agravado. Trata-se de um dado concreto. São números. Igualmente preocupante é o facto de todo o apoio comunitário no Alentejo (aqui entendido como integrando os distritos de Beja, Évora e Portalegre, bem como os municípios do Litoral Alentejano do distrito de Setúbal), no âmbito do Alentejo 2020, ter ascendido a qualquer coisa como 1689 milhões de euros (de acordo com as contas feitas pelo "Diário do Alentejo), quando só o município do Porto beneficiou de 1,4 mil milhões de euros de ajudas europeias, contabilizando as verbas disponibilizadas do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (Feder), do Fundo Social Europeu (FSE), do Fundo de Coesão e do Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e Pescas (Feader). A conclusão parece clara: no âmbito do ciclo de fundos comunitários que agora termina, agravaram-se as assimetrias entre o litoral e o interior e agravaram-se as assimetrias entre as regiões do interior mais e menos desenvolvidas; ou mais e menos próximas dos centros de decisão. Não é possível continuar a insistir na mesma receita, sob pena de se incorrer nos mesmos erros, e de condenar uma boa parte do território ao despovoamento e à desertificação. Já em 2012 o PDR referia que Évora tinha "uma importante dinâmica, decorrente da projeção do seu valor patrimonial, da significativa concentração económica e demográfica relativa". O novo quadro comunitário tem de assumir esta conclusão, legítima e correta. E, por isso, discriminar positivamente regiões como o Alto e o Baixo Alentejo, onde mais necessária é a concentração de investimento público.

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