Diário do Alentejo

Pequeno passo
Opinião

Pequeno passo

José Filipe Murteira, professor

30 de junho 2021 - 09:45

Na semana que passou a CP deu-nos a conhecer (finalmente) duas notícias positivas para Beja e para a região. A primeira foi o início de mais uma ligação de Beja a Lisboa (com o inevitável transbordo em Casa Branca) e a segunda o reatar das ligações entre Beja e Évora, estas suspensas (tal como a ligação direta a Lisboa) há mais de 11 anos.

 

Notícias positivas, porque quebram mais de uma década de ostracismo a que essa empresa pública nos tem votado e que começou em 2011, quando Beja deixou de fazer parte de uma linha (na qual era uma componente importante), para passar a ser um ramal, num claro sinal de abandono, em que os principais responsáveis são os governos que, desde esse ano, pouco ou nada têm feito para repor o que existiu entre 2004 e 2010: uma ligação direta a Lisboa, após 140 anos de um outro transbordo, este no Barreiro.

 

Estas duas notícias não fazem, por isso, esquecer o mais importante e que, pelas últimas informações, ainda demorará a chegar e pelo qual nos temos batido desde que esta ligação foi interrompida para a eletrificação da linha de Évora.

 

Por um lado, a "modernização do troço Casa Branca/Beja da Linha do Alentejo, incluindo eletrificação e instalação de sistemas de sinalização e telecomunicações “ (PNI 2030), cuja conclusão estava prevista para 2025 e que acaba de dar o primeiro passo, com o lançamento do concurso para os estudos e projetos, já foi “empurrada” para 2027: “O lançamento da empreitada será feito em 2024 e a obra decorrerá em 2025, 2026 e, porventura, ainda no início de 2027”, afirmou o presidente da IP, António Laranjo, durante uma audição na Assembleia da República” (Lusa, 8 de junho).

 

Por outro lado, a aquisição de comboios híbridos (a diesel e eletricidade), que serviriam, entre outros objetivos, para ligar Beja a Lisboa enquanto a linha não estivesse completamente eletrificada, cujo concurso foi lançado em janeiro de 2019 e que previa a entrega dos primeiros em 2023, estava, há um mês, “parado” no Tribunal de Contas, o que iria atrasar em um ano (pelo menos) essa entrega (de 2023 para o final de 2024).

 

Esta tinha sido, aliás, uma hipótese colocada pelas delegações do movimento de cidadãos criado em janeiro de 2011, em reuniões realizadas com os secretários de estado Correia da Fonseca (25 de março de 2011) e Sérgio Monteiro (29 de julho de 2011): a possibilidade de manter comboios diretos Beja/Lisboa, a diesel até Casa Branca e elétricos daqui até Lisboa. Ambos responderam que não era possível, com o argumento que a CP não dispunha desse tipo de comboios. E, se no caso do primeiro, foi ainda referido que iria ver com a CP a hipótese de manter pelo menos duas ligações diárias (a diesel), o segundo informou que iria tentar integrar a eletrificação da linha no plano ferroviário que o seu governo ia fazer, para incluir no Portugal 2020. Ora, como se veio a verificar, nem uma nem outra hipótese se vieram a concretizar. E nem a mudança de governo, no final de 2015, veio a alterar a situação, já que o novo plano – Ferrovia 2020 – apresentado em fevereiro de 2016, manteve as opções tomadas pelo anterior (o PETI3+), excluindo a eletrificação do troço Beja/Casa Branca.

 

Posto isto, a questão que se coloca é: não há mais nada a fazer senão esperar pelas datas indicadas, com os inevitáveis novos atrasos? Mais três anos (pelo menos) de transbordos em Casa Branca, à chuva, ao frio e ao calor extremos, com viagens desconfortáveis em automotoras com 55 anos (as “célebres” 450)?

 

Há, mas para isso não basta o justo protesto dos cidadãos indignados e dos seus movimentos (tantas vezes ignorados ou vilipendiados), terá de haver uma voz única, destes, de autarcas, de deputados, das chamadas “forças vivas” locais e regionais, no sentido de se chegar a uma solução que não espere por 2024 ou 2027. Uma voz que se faça ouvir pelo Governo para que, por uma vez, haja a necessária vontade política que tem faltado nos últimos 11 anos e que leve a CP a resolver esta situação de discriminação das populações alentejanas.

 

Uma solução que poderá passar, por exemplo, pelo aluguer à Renfe [empresa que explora a rede ferroviária espanhola] de dois comboios híbridos (que levam entre duas e oito carruagens), do género dos que essa empresa usa há anos para fazer a ligação Madrid-Galiza e que poderiam realizar três ligações diárias Beja-Lisboa, diretas e nos dois sentidos. Afinal, esta solução está neste momento em vigor: até ao final de 2022 a CP tem um contrato de aluguer de 24 automotoras diesel, pelo qual paga à Renfe 8,3 milhões de euros por ano. Caso a empresa espanhola pudesse fornecer esses dois comboios, porque não incluí-los nesse pacote, renegociando o contrato?

 

Para que essa vontade política exista, é preciso uma unidade, a nível local e regional que, infelizmente não tem existido, não obstante os vários apelos públicos, como os que, por exemplo, tenho feito nas páginas dos jornais da nossa região e que, para concluir, relembro:

 

“… seria muito bom vermos os autarcas de Beja, Cuba, Alvito, Viana do Alentejo, Vendas Novas, unidos, ao lado dos cidadãos que lutam pelas ligações diretas a Lisboa, por comboio…” ("Correio Alentejo", 8 junho 2012);

 

“Agora que a 'poeira' eleitoral assenta e que se vai dar início a um novo ciclo político, com um novo Parlamento e um novo Governo, seria bom que os três deputados eleitos por Beja [Pedro do Carmo, João Ramos e Nilza de Sena] se unissem e, deixando para trás naturais divergências, elaborassem um documento, curto mas incisivo, que se concretizasse num projeto de resolução ou numa recomendação, com dois objetivos “mínimos”: a eletrificação da linha Beja/Casa Branca e a retoma das obras da A26, entre Beja e Santa Margarida do Sado” ("Diário do Alentejo", 9 outubro 2015).

 

E, a propósito desta última (pelos vistos atirada de novo para o esquecimento), transcrevo o que escrevi na citada crónica de junho de 2012: “… ou ainda os [autarcas] de Beja, Ferreira, Grândola, Alcácer, Santiago e Sines, juntos pela A26, que tão tarde arrancou e que vai parando e avançando aos soluços...”

 

Embora esta crónica seja sobre comboios, aqui fica de novo o apelo a estes eleitos para que, mais uma vez, não fiquemos para trás e se conclua a inacabada A26, o que, pelas últimas notícias, está em risco.

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