Eu gosto mais do caminho. O caminho é a única coisa real entre a partida e a chegada, só ele pode ligar estes dois pontos, só ele nos leva de um lugar a outro. Não vale a pena perdermos demasiado tempo com os preparativos da ida ou com a antecipação emocional relativamente ao sítio onde queremos chegar, porque sem o trajeto, sem o necessário cumprimento do tempo e do espaço, quer a partida, quer a chegada, são apenas projetos, sonhos, devaneios. O caminho é que nos faz, o caminho é a impossibilidade a dobrar-se e a desviar-se para nós passarmos, só o caminho dá consistência a uma ideia e uma ideia dói quando finalmente consegue rasgar o ventre da rotina. Para poder andar, uma ideia precisa de pernas e de alma e de coração e as pernas e a alma e o coração nascem de dentro da coragem. A coragem é o útero da decisão. Infelizmente vemos poucos partos desses, infelizmente as pessoas já pouca coragem têm para dar à luz pernas e alma e coração, mas conta quem já os fez, conta quem já os viu, que é dos partos mais bonitos a que a humanidade pode assistir. Primeiro sai uma perna, depois outra, firmes, obstinadas, prontas para o caminho, depois aparece o coração, forte, resoluto, preparado para a viagem, a seguir vem a alma grande, viva, animada para enfrentar o percurso. Quando descobrimos a importância e a beleza do caminho, uma chegada é apenas a véspera de uma outra partida.