Diário do Alentejo

Da (pouca) proteção do património
Opinião

Da (pouca) proteção do património

Jorge Feio, arqueólogo

11 de junho 2021 - 09:20

De quando em vez, sobretudo nos últimos anos, vão sendo noticiadas destruições do património na comunicação social, que rapidamente encontram eco nas designadas redes sociais, como o Facebook ou o Twitter. De certa forma, nota-se alguma preocupação das pessoas com a defesa daquilo que é o seu património, a sua história, a sua memória. As comunidades locais, cada vez mais, vão-se preocupando com aquilo que as define enquanto comunidade do ponto de vista histórico. No entanto, ainda existe muito para fazer no que concerne à designada educação patrimonial, sobretudo no que diz respeito à classe política e aos grandes decisores que trabalham para empresas do Estado português.

 

Embora tenha nascido no Hospital José Joaquim Fernandes em Beja, considero-me Alvitense. Cresci em Alvito, ali estudei até ao 9.º ano, ali aprendi a riqueza do Cante e servi os bombeiros no ativo durante 28 anos. Alvito está-me no sangue; ou não fosse a terra natal do meu pai. Foi nesta vila que aprendi a amar o património, a difundi-lo e a defendê-lo. Por esse motivo, muito recentemente, escrevi sobre a destruição das termas romanas, manifestei a minha preocupação com a degradação das “grutas” e com a situação catastrófica em que se encontravam os azulejos da igreja Matriz de Alvito.

 

Quando tomo posição pala defesa do património da minha terra, não quero saber se serei, ou não, bem interpretado (i.e., “bem visto”) por quem quer que seja. Preocupo-me simplesmente com a conservação, proteção e divulgação do património que me define como pessoa. Por algum motivo sou alvitense e não viseense! E como alvitense, não posso deixar de criticar quem nada faz pelo património da minha terra.

 

Por exemplo, posso começar por questionar por que motivo ainda nada se fez para evitar a total destruição das “grutas” de Alvito e derrocada da ermida de São Sebastião, quando parte da cobertura das primeiras colapsou? Por que razão se permitiu a destruição de parte das termas romanas de Alvito? Por que motivo não se concluiu a instalação do museu de Alvito na Igreja de Santo António? Por que motivo foi necessário esperar três anos para solucionar a questão dos azulejos da igreja Matriz de Alvito? O que se tem feito para recuperar o património histórico do concelho? Para esta eu tenho resposta: nada!

 

(…) Mais recentemente recebemos a informação que a Infraestruturas de Portugal (IP) prevê a demolição (destruição integral) das estações de Alvito e das Alcáçovas no projeto de eletrificação da Linha do Alentejo. Até aqui podemos pensar: “E daí! É o desenvolvimento!”. Na mesma missiva ficamos a saber que as mesmas serão substituídas por uns feios/horríveis apeadeiros de betão. Existe quem pense então: “E daí? Já quase não têm passageiros, ficam longe das localidades mais próximas e bastará às câmaras municipais promover os transportes para as estações mais próximas (Vila Nova da Baronia e Casa Branca)! É o progresso!”. Mas, e existe sempre um pequeno “mas”, ambas as estações foram construídas por volta de 1860! São monumentos históricos com 160 anos, com muitas “estórias” (e muita história!) associados. Quem não se lembra das carroças que serviam de “táxis” para transportar pessoas de Alvito para a “estação dos comboios”? Ou dos jovens que saíam de Alvito para completar os estudos em Cuba, Beja e Lisboa que iam a correr debaixo de chuva para “apanhar” o comboio? Ou dos Presidentes da República que ali pararam, como Mário Soares? Quem já se esqueceu da frase: ouve-se o som do comboio em Alvito – é sinal que vai chover? Quem não se lembra dos milhares de pessoas que vinham de comboio à feira de Alvito? E o que é que todas estas histórias têm em comum? A estação dos comboios de Alvito.

 

Escrevendo na posição de arqueólogo e de cronista, acrescento a todas as “estórias” o seguinte facto. Estamos perante monumentos históricos. São “apenas” duas das mais antigas estações o sul de Portugal! São dois dos testemunhos de uma primeira tentativa de industrialização e desenvolvimento do interior País a partir de meados do século XIX. E vamos simplesmente destruí-las? E os municípios não fazem nada? O IP manda e os municípios abanam a cabeça? Pois, para mim, deixar demolir a estação de Alvito é exatamente o mesmo que deixar demolir o castelo de Alvito. Afinal de contas, a família que o mandou fazer também já lá não mora, como diria um amigo meu. Se já lá não moram, por que motivo não se “manda” o castelo abaixo?

 

Em Alvito ninguém aparenta ter a coragem suficiente para levantar a voz e perguntar a quem de direito o que se passa. Nas Alcáçovas colocaram a circular um abaixo-assinado de oposição à destruição prevista, o que mostra alguma coisa. E aquilo que é mais estranho é isto: na linha Beja/Moura, onde já não passam comboios, todas as estações e apeadeiros estão de pé; é proibido retirar os carris; proíbem a passagem de veículos pesados sobre os carris e não permitem que se façam obras ou se proceda à sua demolição. Aí ninguém se preocupa se os edifícios estão devolutos. Mas as estações de Alvito e das Alcáçovas têm de ser derrubadas, quando podiam ser recuperadas e transformadas em espaços museológicos com apeadeiro.

 

Eu não podia estar mais triste. Dói-me a alma, até porque sou um dos que têm muitas “estórias” na estação de Alvito. Fosse noutras zonas do País e estava um exército popular armado na estação. Não é preciso ir muito longe.

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