Diário do Alentejo

Pobreza
Opinião

Pobreza

Luís Godinho, jornalista

05 de maio 2021 - 16:25

Chama-se “Faces da Pobreza em Portugal”. São cerca de 70 páginas. Leitura rápida, porém muito proveitosa, descarregada de forma gratuita através da página de Internet da Fundação Francisco Manuel dos Santos, a entidade que pagou este estudo coordenado pelo sociólogo Fernando Diogo e que envolveu académicos de várias universidades portugueses. O livro “arranca” com uma análise cuidada à informação estatística publicada entre 2003 (quando o limiar de pobreza correspondia a um rendimento máximo de 345,8 euros mensais) e 2018 (quando esse montante já estava fixado nos 501,2 euros por mês). Refira-se, por curiosidade, que em 2021 é considerado pobre quem aufere um rendimento inferior a 550 euros (ou seja, 6 480 euros por ano) – as pensões mínimas no regime geral de Segurança Social estão todas muito abaixo deste valor, dos 275 euros para quem tem menos de 15 anos de descontos até aos 398 para pessoas com 31 ou mais anos de descontos, o mesmo sucedendo com as pensões pagas pela Caixa Geral de Aposentações.

 

Não se pense, contudo, que a pobreza é assim como que um “castigo” adicional “oferecido” a quem trabalhou e descontou toda a sua vida. “As Faces da Pobreza em Portugal” revela-nos uma realidade diferente. E, claro, igualmente preocupante. “Se em 2003 as taxas de pobreza mais elevadas estavam associadas aos indivíduos com 65 anos ou mais, em 2016 eram os indivíduos com menos de 18 anos que registavam taxas de pobreza superiores”. Uma em cada cinco pessoas com menos de 18 anos vive abaixo do limiar de pobreza (20,7 por cento). Na população com mais de 65 anos essa taxa ronda os 17 por cento.

 

A surpresa não será menor se deixarmos de lado o fator “idade” e prestarmos atenção, por exemplo, ao facto de uma pessoa estar ou não empregada. Em Portugal, refere o estudo, “a condição perante o trabalho é um fator importante de diferenciação no que respeita ao risco de pobreza, revelando grandes disparidades entre indivíduos empregados, desempregados, reformados e outros inativos, diferenças essas que aumentaram entre 2003 e 2018”. A taxa de pobreza entre quem está desempregado (47,5 por cento) é obviamente a mais elevada. Mas não deixa de ser curioso assinalar que 11 por cento de todas as pessoas empregadas vive abaixo do limiar de pobreza. Ou seja, feitas as contas ao final do mês, o resultado do trabalho não chega aos 500 euros. Cerca de um em cada três reformados (31 por cento) também recebe uma pensão abaixo desse montante.

 

Querem outra má notícia? “Os agregados familiares onde existem crianças são aqueles em que a taxa de pobreza é mais elevada”. Na verdade, 30 por cento das famílias com três ou mais crianças vive em situação de pobreza.

 

A conjugação destes números, que traduzem a realidade do país, faz-nos refletir sobre o modelo de desenvolvimento que temos seguido, muito assente nos salários baixos e na precariedade laboral. Na véspera das comemorações do 1.º de Maio, Dia do Trabalhador, é importante perceber que o modelo terá necessariamente de ser outro, sob pena de as desigualdades continuarem a agravar-se.

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