Diário do Alentejo

Desigualdade
Opinião

Desigualdade

Luís Godinho, jornalista

09 de abril 2021 - 17:10

De que falamos quando falamos do agravamento das desigualdades? Ou de que falamos quando falamos de um país onde o fosso entre ricos e pobres se agrava cada vez mais, ano após ano? Que país teremos quando a crise económica e social nos bater (verdadeiramente) à porta, depois do fim do ‘lay-off’ (que tem sido a boia da salvação para as empresas mais duramente afetadas pela pandemia, designadamente as dos setores do turismo e da cultura) e quando terminarem as moratórias no pagamento de impostos (sobretudo os relativos aos créditos à habitação), que têm permitido a muitas famílias enfrentar a tormenta que nos atingiu? Talvez não seja possível traduzir, em números, em dados concretos, todo este conjunto de preocupações. Mas temos alguns indicadores. Dados oficiais que nos ajudam a perceber o contexto deste tempo de incertezas. Que nos permitem perceber de que forma a crise económica e social causada pela pandemia de covid-19 está a acentuar as desigualdades entre ricos e pobres que, no nosso país, já eram enormes antes da atual crise. Um estudo do economista Eugénio Rosa, intitulado “Desigualdade crescente na repartição da riqueza”, dá-nos alguns parâmetros para enquadrar o problema, confirmando que o combate à pandemia, através de medidas como o confinamento e o encerramento dos “setores mais débeis da economia” se traduziu num agravamento do fosso “entre o trabalho e os donos de capital” e em “grandes desigualdades salariais impostas pelas empresas”, que vieram “agravar” a repartição de riqueza. Traduzindo o palavreado em números, temos que em 2008 os trabalhadores portugueses receberam, sob a forma de “ordenados e salários”, 65 454 milhões de euros, montante que corresponde a 36,5 por cento do Produto Interno Produto (PIB). Nesse mesmo ano, de acordo com as Contas Nacionais, publicadas pelo Instituto Nacional da Estatística, os denominados “donos do capital”, i.e. os trabalhadores por conta própria registados como empregadores auferiram 72 757 milhões de euros, sob a forma de excedente do produto de exploração (40,6 por cento do PIB). Feitas as contas, em 2008, entre trabalhadores e “donos de capital” houve uma diferença de 7 303 milhões de euros. Sucede que em 2019, último ano em que há contas publicadas, essa diferença aumentou para 12 828 milhões de euros – um crescimento de 75,6 por cento no período de uma década – na medida em que os salários somaram 74 640 milhões de euros (35 por cento do PIB) e o excedente bruto de exploração saltou para 87 468 milhões de euros (41 por cento do PIB). “Esta desproporção na forma como é repartida a riqueza criada no país ainda se torna mais clara quando se compara o número de trabalhadores com o número de donos do capital”, adverte Eugénio Rosa. Na verdade, 41 por cento do PIB nacional é repartido por 222 mil empregadores (4,6 por cento do emprego total), quando 35 por cento do PIB corresponde ao rendimento de quatro milhões de trabalhadores (83,2 por cento do emprego total). Não será difícil concluir que a diminuição da riqueza criada em 2020 e no primeiro trimestre de 2021 e o aumento do desemprego, por força da pandemia, irão acentuar ainda mais as desigualdades sociais.

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