Diário do Alentejo

Filipe
Opinião

Filipe

José Saúde, jornalista

25 de março 2021 - 09:40

A devoção ancestral vivida por cada ser humano é recheada por óbvias memórias. Memórias que o tempo jamais ousará abolir de uma vida que lhe concede expeditos créditos que altivam imagens que são, seguramente, um hino a um passado que nos enche de orgulho. Revejo craques que insuflaram crenças inabaláveis e que ainda hoje são exemplos de atletas que marcaram vivências desportivas. Beja, cidade que conheço há mais de 60 anos, guiou-me para a sinuosidade de díspares gáudios no que concerne à sua vida atlética. O futebol, em particular, sempre norteou uma inquestionável vivência que me levou a conhecer “fidalgos” do jogo da bola.

 

Num pulverizar de memórias, viajo pelo antigo Estádio Frederico Ulrich, mais tarde Flávio dos Santos, em Beja, e revejo magníficas equipas do Desportivo atulhadas de excelentes jogadores. Evoco, com elegância, Filipe António Serra Machado, um cidadão que nasceu a 20 de setembro de 1943 na freguesia do Salvador, em Beja, e que numa panóplia de dotados bebeu ensinamentos de António Feliciano, uma das três célebres “torres” de Belém, sendo ele um admirável jogador que se distinguiu no Belenenses em finais de 1940. Filipe, em meados da década de 1950, integrou uma escola de futebol orientada por Feliciano, então treinador da equipa sénior do Desportivo, mas que se dedicou à descoberta de novos valores na cidade.

 

Desse felino olhar do mestre, destacaram-se, de entre outros, o Nói e o Joaquim Madeira, Diogo Mendonça, Lagancha, Diogo Barrocas, Rousseau, Viriato, Rosa, Carlos Alvito, Carocinho e também o internacional Osvaldinho, epíteto herdado pelo seu “padrinho” Feliciano. Filipe, como central de distinta eleição, e já como sénior nos idos de 1960, logo os holofotes da fama se acenderam com retumbante fulgor. Comentou-se, nas tertúlias desportivas, que a direção do Desportivo de Beja ter-lhe-á sonegado uma proposta vinda do Benfica que pretendia a sua contratação, tendo em conta que os dirigentes do clube da Luz davam a jovem promessa como contratação numa dinastia de centrais que a gesta do grémio encarnado literalmente ovacionava. Com o rotundo não dos senhores que comandavam a coletividade bejense, que exigiam mais dinheiro, o Sport Lisboa e Benfica virou-se para Luciano, jogador do Olhanense, para colmatar a vaga deixada pelo” astro” alentejano. Mas os méritos futebolísticos de Filipe galgaram fronteiras, sendo que nesta fase de colossal brilho, entrou na corrida para a sua aquisição o Vitória de Guimarães, convite que recusou.

 

Dissecando a carreira do génio, e os boatos que circularam na cidade que o davam como certo no Lusitano de Évora, a verdade é que tal viagem não se concretizou porque os lusitanistas recusaram pagar os 30 contos de “luvas” exigidos, dinheiro que se destinava à compra de um automóvel, mas garantindo o vencimento de 1500 escudos mensais e um emprego. Filipe, uma lenda do futebol e cuja subtileza futebolística a população paxjuliana jamais esquecerá.

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