Diário do Alentejo

Bipolar
Opinião

Bipolar

Luís Godinho, jornalista

09 de março 2021 - 16:30

Há um velho desporto nacional que traduz uma sociedade bipolar, ora mergulhada numa euforia incontida, ora envolta numa profunda tristeza. Quando nos dá para a euforia, Portugal, está bem de ver, é o melhor país do mundo. Leia-se, por exemplo, Marcelo Rebelo de Sousa em março de 2019 na inauguração de uma fábrica: “Com todo o respeito pelos nossos amigos alemães e também espanhóis, nós portugueses somos os melhores e, por isso, não admira que aqui estejam os melhores a fazer o melhor”. Nesta versão de país, não há comida como a nossa, futebolista como o Ronaldo, céu tão bonito quanto o deste retângulo à beira mar plantado, terra de gente pacata, de bons hábitos e melhores costumes. No combate à primeira vaga da pandemia fomos, naturalmente, dos melhores do mundo e não nos cansámos de repetir, nas televisões e jornais, os elogios tecidos pela imprensa estrangeira, que até chegou a garantir ser Portugal “o melhor país do mundo para viver” depois de a pandemia passar. Mas depois, passada a euforia, chega inevitavelmente a depressão. De um momento para o outro tudo é mau. “Portugal tornou-se o pior país do mundo em mortes por milhão de habitantes”, indicaram as notícias de janeiro deste ano. “Se Portugal tem sido o pior do mundo no combate à pandemia, é porque quem nos governa não tem estado plenamente à altura das responsabilidades”, sentenciou Rui Rio. Nesta versão de país, não há terra com mais gente corrupta nem com tanto chico-espertismo, seja a fugir aos impostos ou a passar à frente na fila das vacinas, a economia é uma tragédia, a justiça não funciona, a saúde também não, e até o Ronaldo já teve melhores dias. “A pobreza geral produz um aviltamento na dignidade. Todos vivem na dependência: nunca temos por isso a atitude da nossa consciência, temos a atitude do nosso interesse”, escrevia Eça de Queiroz na segunda metade do século XIX. E a verdade, como bem refere João Pereira Coutinho, é que “o discurso da choldra sempre fez parte da visão que os portugueses têm de si próprios”. É como se vivêssemos numa permanente montanha russa: ora no pico da euforia, ora metidos num enorme buraco, sem nada pelo meio. “Fomos dos melhores do mundo no primeiro confinamento, os piores na origem da terceira vaga e vamos ser um dos países do mundo que mais depressa conseguiu controlar a terceira vaga porque de facto houve uma adesão fantástica ao confinamento e o resultado está à vista”, resume o virologista Pedro Simas. Sempre: ou os melhores ou os piores do mundo. Sendo este o retrato do país, em geral, é um espelho que reflete igualmente um certo modo de estar no Baixo Alentejo: sem meios termos, amigo ou inimigo, preto ou branco. Bem sei que em ano de eleições autárquicas o tom das intervenções públicas tende a radicalizar-se e o diálogo é (ainda) mais difícil. Mas é indispensável, sobretudo agora, sobretudo neste momento em que se preparava um plano de investimentos sem precedentes na história do país. Para regiões como o Baixo Alentejo é uma oportunidade que não pode ser perdida. Mas que só se conseguirá agarrar com uma plataforma comum capaz de agregar os vários tons de cinzento com que, na verdade, todas as sociedades são feitas.

Comentários