Diário do Alentejo

Despovoamento
Opinião

Despovoamento

Luís Godinho, jornalista

02 de março 2021 - 15:10

O despovoamento do interior do país não é uma realidade nova, mas a inexistência de políticas públicas eficazes para o combater tem conduzido a um sistemático agravamento do problema. Em boa verdade, a par das consequências decorrentes das alterações climáticas, este é mesmo o problema central com que regiões como o Baixo Alentejo se debatem. O artigo que publicamos esta semana é revelador: nunca, como em 2020, houve tão poucos nascimentos na maternidade do Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja. Comparativamente com 2019, registou-se uma quebra de natalidade de 7,5 por cento. Há 30 anos nasciam à volta de dois mil bebés todos os anos. E já nessa altura se apontava o despovoamento, com o consequente envelhecimento da população, como uma debilidade estrutural do interior do país. O despovoamento, lembra Maria Antónia Pires de Almeida, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE, tomou conta da paisagem de muitas regiões, "fruto de um movimento demográfico em direção às cidades do litoral e ao estrangeiro iniciado com maior intensidade nos anos 60 do século XX, que deu origem a fenómenos com consequências graves para a população que ainda resiste a viver longe dos grandes centros". Há 60 anos, pelo menos, que as regiões do interior, e o Baixo Alentejo em particular, perdem população. Em 1960, a população média dos 53 concelhos com menor número de habitantes era de 15 308. Em 2011, aquando do último Censos, esse número baixou para menos de metade: 6 400. Quando os resultados do Censos que agora se inicia forem conhecidos, veremos que a perda populacional se agravou ainda mais. Significativamente mais. A atualização dos dados efetuada pela Pordata para o período de 2007 a 2018 demonstra "uma população a diminuir, sobretudo entre os mais jovens, mas também entre a população em idade ativa, cada vez mais envelhecida, que casa menos e tem menos filhos". São valores preocupantes na medida em que, por um lado, "tornam irreversível a tendência demográfica para o despovoamento" e, por outro, acentuam as fragilidades destes territórios, "onde as populações estão desprotegidas, isoladas e com acesso muito restrito a serviços de saúde, educação, comunicações e segurança". Sem pessoas encerram as escolas, não há investimentos em infraestruturas, não há oportunidades de trabalho para os jovens, muitos menos para os mais qualificados, nem resposta adequada ao nível dos cuidados de saúde. Sendo igualmente verdade que sem escolas, sem infraestruturas, sem empresas e sem serviços de saúde o despovoamento agravar-se-á ainda mais. Maria Antónia Pires de Almeida aponta a conversão da agricultura, "num novo modelo mais sustentável que proporcione trabalho permanente para as populações locais, contribuindo assim para a fixação de trabalhadores e das suas famílias" como o "único meio" para transformar esta realidade. Não será o único. Mas não há plano de resiliência que nos salve, enquanto país, com um território despovoado e envelhecido. E, inevitavelmente, desertificado. Um território onde nascem cada vez menos crianças.

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