Diário do Alentejo

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Luís Godinho, jornalista

25 de janeiro 2021 - 14:45

Depois de 21 debates, frente-a-frente, entre os vários candidatos presidenciais, depois de um outro que juntou os sete, e de inúmeras entrevistas feitas pelos mais variados órgãos de comunicação social a quem entrou nesta corrida a Belém, poder-se-ia dizer que, enfim, ficámos com elementos para decidir, em consciência, em quem votar nas eleições do próximo dia 24 de janeiro. Infelizmente não será assim. Acredito que os debates, cada um deles, e que as entrevistas, cada uma delas, apenas serviram para convencer os convencidos. É um sinal dos tempos.

 

Nestes tempos de algoritmos, em que a informação que nos chega via redes sociais é filtrada – identificando os nossos interesses e comportamentos – são-nos servidas “notícias personalizadas”, muitas delas falsas, sobre temas, e ângulos, com que nos sentimentos mais familiarizados. Esta distopia digital, a colonização da nossa informação pelos algoritmos do Facebook ou do Google, é uma ameaça à liberdade e à democracia, desde logo na medida em que coloca os cidadãos numa espécie de “bolha” virtual.

 

Para cada seguidor de André Ventura, utilizo este exemplo por ser o mais próximo de Donald Trump, verdadeiro “artista” na utilização das redes sociais, o que conta não é a prestação efetiva do candidato em qualquer debate, são as mensagens partilhadas ou os vídeos, todos eles com títulos sugestivos como “André arrasa” ou “Ventura derrota”, que se entretêm a partilhar e que formatam uma determinada maneira de ver o mundo.

 

Se, num desses debates, como sucedeu com Maria Matias, o candidato Ventura for confrontado como uma simples pergunta - “O que é a PJ esteve a fazer no seu gabinete?" – ou se, como aconteceu com Ana Gomes, o mesmo candidato for confrontado com o teor de reportagens jornalísticas e com a acusação de, “como funcionário da Autoridade Tributária”, ter “ajudado o patrão de [José] Sócrates, Lalanda de Castro, a escapar ao fisco”, muitos dos eleitores do Chega nem sequer terão acesso a estes temas.

 

Em primeiro lugar porque, à semelhança da “cartilha” de Trump, fogem como podem dos media tradicionais. Depois porque se sentem mais confortáveis na tal “bolha” digital, onde o produto é servido “pronto a consumir”, tenha ou não qualquer adesão à realidade. Só isso permite explicar que um dirigente partidário cujo programa político defende, por exemplo, a privatização do Serviço Nacional de Saúde – “o Estado não deverá, idealmente, interferir como prestador de bens e serviços no mercado [é a palavra que lá está, mercado] da Saúde” – ou a entrega das escolas a privados – “as instalações escolares passariam, num primeiro momento, para a tutela da Direção-Geral do Património que, de seguida, as ofereceria a quem nelas demonstrasse interesse” – tenha o “topete” [é a palavra] de vir a público defender tudo e o seu contrário e, ainda assim, ser reconhecido como eventual parceiro por partidos com outro grau de responsabilidade, como sucedeu nos Açores.

 

Como bem assinalou David Pontes, em editorial do “Público”, por muito que a democracia se ganhe “no debate das ideias”, como afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, “seria néscio não assinalar a gravidade que é ter pela primeira vez na história portuguesa um candidato presidencial cujas ideias integram a possibilidade de cortar as mãos a ladrões, que assume querer confinar uma etnia e não hesita em falar de ditadura”.

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