Diário do Alentejo

Miopia
Opinião

Miopia

Vítor Encarnação, professor

29 de novembro 2020 - 08:15

Pai, com estes óculos eu vejo tudo igual, igual ao que dizes que vês, igual ao que a mãe vê, igual ao que os teus amigos de partido e de crenças e de ideologias veem, é tão estranho, velhos e novos, termos todos a mesma graduação. Com estes óculos apenas consigo ler o que as lentes me ditam, a realidade está escrita nas lentes e elas não me deixam interpretar nada de forma diferente, as perguntas, as respostas, as soluções, as críticas, as bravatas, está tudo lá, só tenho que ver através dos óculos e acreditar cegamente nas dioptrias.

 

Eu bem que esforço os olhos, mas vejo pouco, não distingo nada do que está lá mais à frente, ao meu lado, atrás de mim, eu viro-me, procuro outros ângulos, limpo as lentes, fixo o olhar, mas os óculos obrigam-me a ver apenas o que eles querem que eu veja. Pai, leva-me a algum lado, os óculos já me entram na carne, as armações já criaram pele, não quero ficar como tu que já não consegues tirar os teus, deve haver algum especialista que saiba resolver este tipo de falta de vista, os óculos que me obrigas a usar são míopes, as lentes não veem nada daquilo que fica um pouco mais longe, teimam em só ver ao perto, teimam em mandar sempre os mesmos estímulos visuais para o cérebro.

 

Às vezes, quando tu não estás ao pé de mim, tiro os óculos e vejo outros tons, vejo tudo de uma forma muito mais nítida, vejo o que tu, a mãe e os teus amigos já não conseguem ver. 

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