Diário do Alentejo

Francisco George: “Hospital de Beja tem de estar preparado para responder à pandemia”

19 de março 2020 - 17:54

Entrevista com Francisco George. A pandemia do Covid-19: “Nunca poderá haver o risco” de faltarem médicos e enfermeiros. “Portugal há de ter uma resposta tão robusta como aconteceu noutros países”.

 

Francisco George, ex-diretor-geral da Saúde diz que o Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja, “tem de estar” preparado para a luta contra o Covid-19. “Todos os países tiveram tempo para se preparar e o hospital de Beja não é diferente. Com certeza que tem um plano de contingência e que os meios foram mobilizados para esse fim”. E confia que Portugal terá “uma resposta robusta” face aos desafios com que se depara. Em entrevista ao “Diário do Alentejo”, o atual presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, e que depois de vários anos a residir e trabalhar no Baixo Alentejo mantém uma forte ligação a Beja, diz que é fundamental apoiar as medidas decretadas pelo Governo que visam, no essencial, atrasar a propagação do vírus. No entanto, a crise não passará, no melhor cenário em termos de perda de vidas humanas, em menos de três meses.

Texto: Aníbal FernandesFoto: José Serrano

O número de pessoas infetadas com o Covid-19 tem subido todos os dias. Esta evolução corresponde ao que seria expectável para este tipo de pandemia?

Vamos lá ver uma coisa: a pandemia atual refere-se a um fenómeno, a que todos estamos a assistir, da propagação da doença, inicialmente com expressão epidémica na China, mas que depois, devido à propagação em mais do que um continente, assumiu os critérios para a declaração de pandemia. Portanto, uma pandemia resulta da propagação da doença em simultâneo e em mais do que um continente. É aquilo que se está a verificar a nível global. No que se refere à situação portuguesa, temos tido a oportunidade de verificar que nos últimos dias tem havido um crescimento exponencial do número de pessoas infetadas. Isso vai, com certeza, continuar, o que quer dizer que todos os dias vamos ter mais casos do que no dia anterior até se atingir o pico da curva. Mas há duas formas de atingir esse pico: ou nada se faz e o pico será atingido rapidamente, ou através das medidas adotadas poderá ser possível atrasá-lo em termos temporais. E isso tem toda a importância para que seja possível diminuir a velocidade do aumento da curva. Podemos subir uma rampa a 150 quilómetros por hora ou podemos subir a 30 quilómetros por hora. Só que quem a subir a 30 chega lá muito depois. Nós pretendemos atrasar a chegada ao pico de forma a dar tempo aos portugueses para se prepararem.

Como é que avalia as decisões tomadas pelo governo, designadamente o encerramento das escolas e o fecho das fronteiras?

As medidas decididas pelo Governo são da sua competência e, naturalmente, agora, é preciso apoiar essas medidas. É preciso estarmos juntos e ir ao encontro da efetividade do cumprimento de todas as medidas que foram decretadas. Não faz sentido dividir a sociedade e uns cumprirem e outros não. Temos todos de cumprir e, no fim, vamos ter de olhar para trás e avaliar aquilo que foi decidido e ver os resultados que se conseguiram. Mas a avaliação é só no fim.

O Baixo Alentejo é uma região muito envelhecida. Na sua opinião existe um risco acrescido?

 

O Baixo Alentejo e o Alentejo em geral, até ao dia em que estamos a falar, não têm casos declarados. E isso porquê? Provavelmente está relacionado com a baixa densidade populacional. Um dos fatores principais que favorece a transmissão da doença é a concentração de pessoas, são os aglomerados de pessoas com densidades populacionais muito altas. Ora, não é isso que se verifica no Alentejo e, realmente, até hoje [16 de março] não se verificou qualquer caso. Provavelmente, e sublinho o provavelmente, terá relação com esta premissa, mas não há demonstração científica para tal. O que sabemos é que as medidas decretadas pelo Governo visam distanciar as pessoas umas das outras.

Que conselho é que daria aos idosos, sobretudo aos que vivem mais isolados?

 

Os idosos, nomeadamente os com idade superior a 80 anos, são aqueles que, no caso de adoecerem, apresentam um risco maior. Mas nós também sabemos que é possível protegê-los. Nas fases mais críticas os idosos não devem sair, não devem ir buscar os netos, não devem expor-se a riscos. Devem ser os mais protegidos e aplicar as medidas de higiene individual e familiar.

Na sua opinião o hospital de Beja está preparado para responder a esta pandemia?

 

Com certeza. Não posso dizer o contrário: tem de estar preparado para responder à pandemia! A pandemia na China começou a meio de dezembro de 2019 – por isso o vírus tem o nome de Covid-19 – e, desde então, em termos de alertas, todos os países foram informados daquilo que se passava. As “muralhas da China” – essas barreiras que foram criadas - permitiram atrasar a exportação da epidemia para outros países, nomeadamente, para a Europa. Portanto todos os países tiveram tempo para se preparar e o hospital de Beja não é diferente. Com certeza que tem um plano de contingência e que os meios foram mobilizados para esse fim.

Havendo falta de profissionais de saúde, por exemplo médicos, enfermeiros, não corremos o risco do sistema entrar em colapso?

Bom, eu não lhe vou dizer que há esse risco porque não pode haver. Nunca poderá haver esse risco. É uma situação que não se verificou em nenhum país e, naturalmente, Portugal há de ter uma resposta tão robusta como aconteceu noutros países.

A ministra da Saúde diz que o número de casos poderá aumentar até ao final de abril. Partilha dessa perspetiva? E o que se pode fazer para contrariar esse cenário?

 

Sim, partilho. Contrariar é o que estamos a fazer. Mais distância entre duas pessoas é a base principal em termos de prevenção. Para além disso, tem sido dito, e é verdade, que é preciso lavar frequentemente as mãos e, da mesma maneira, as superfícies lisas, por exemplo, das mesas, as portas e as respetivas maçanetas e os corrimões. Essas medidas de higiene não podem ignorar a importância dos locais onde o apoio da mão é considerado habitual. Nós devemos ter em conta, por um lado, a distância em relação ao outro – porque é preciso admitir que o outro esteja infetado, embora possa não estar – e, por outro lado, a lavagem das mãos, porque se entrarem em contacto com as mucosas orais e oculares e estiverem infetadas inoculam o vírus. Portanto, as mãos são um elemento fundamental para cortar esta transmissão.

 

Perante este cenário quando é que poderemos voltar à nossa vida normal?

 

Depende da questão já falada que é saber quando vamos atingir o pico. Se o conseguirmos atrasar, o que seria bom, levará, como aconteceu na China, cerca de três meses. Se não o atrasarmos poderá ser muito mais rápido, mas os custos em termos de vidas humanas serão maiores.

 

 

 

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