Diário do Alentejo

Turismo e empresas exportadoras preparam Brexit

06 de janeiro 2020 - 11:20

Em junho de 2016, em referendo, os cidadãos do Reino Unido votaram pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia. Durante estes três anos, as peripécias em torno do abandono “inglês” foram mais do que muitas e, um pouco por todo o lado, foram-se perspetivando cenários para uma saída com ou sem acordo e preparando medidas mitigadoras do impacto económico que a nova relação terá nos diferentes mercados nacionais. O Governo Português diz-se preparado para a mudança de paradigma, mas, em Portugal, existem regiões mais atingidas do que outras. O Baixo Alentejo, por exemplo, comparativamente com o Algarve, tem muito menos a perder. Ou quase nada…

 

Texto Aníbal Fernandes

 

Foi no início dos anos 70 do século passado que os famosos armazéns londrinos Marks and Spencer começaram a vender as uvas sem grainha da herdade Vale da Rosa. Após um interregno de algumas décadas, no ano 2000, Silvestre Ferreira retomou os contactos que o seu pai tinha iniciado e o produto voltou a ser comercializado em Londres.  A ligação é tão forte que Ricardo Costa, porta-voz da empresa, não hesita em dizer que “o mercado inglês faz parte do ADN” da firma que tem sede em Ferreira do Alentejo. No entanto, apesar da presença nas prateleiras daquela cadeia de retalho ser “um cartão de visita e salvo conduto para entrar em outros mercados”, o aumento de oferta a nível mundial e a consequente baixa dos preços tornou aquele mercado menos “apetecível”.

Acresce que o Brexit “vai trazer alguns constrangimentos à exportação de produtos hortofrutícolas para Inglaterra”, mas, apesar de haver alguma “preocupação”, não é motivo para tocar os sinos a rebate uma vez que dos cerca 30 por cento da produção total que é exportada, a cota do Reino Unido tem vindo a decrescer e outros destinos comerciais têm tomado o seu lugar. “Com uma possível desvalorização da libra pode deixar de ser interessante exportar para Inglaterra”, diz Ricardo Costa.

Também a Vitacress – que nasceu inglesa, mas hoje é 100 por cento portuguesa –, um dos líderes europeus no fornecimento de produtos agrícolas frescos, tem vindo a diversificar os mercados onde opera. No entanto, “o mercado britânico continua a ser importante para a Vitacress Portugal, embora com menos peso do que no passado”, disse ao “Diário do Alentejo” o diretor-geral da empresa, Luís Mesquita Dias, revelando que “a percentagem das vendas que se destina ao Reino Unido é de 20 por cento”.

Quanto ao futuro imediato consideram-se confortáveis “na medida do possível”. “É evidente que gostaríamos de continuar a ter a Inglaterra na União Europeia com tudo o que isso representaria de ausência de entraves na circulação de mercadorias. Estamos, no entanto, tranquilos quanto à continuidade da necessidade de abastecimento de hortícolas a partir de Portugal, pelo que não antevemos redução de vendas, apenas mais dificuldades logísticas e burocráticas”.

 

No setor do turismo o panorama parece não ser dramático. Ao contrário do que se passa no Algarve, onde a desvalorização da moeda do Reino Unido arrefeceu o interesse por aquele destino, levando a uma quebra de 250 mil turistas britânicos entre 2017 e 2018, no Alentejo o número de dormidas representa apenas cerca de 10 por cento do total. Nos últimos dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) são referidas 28 101 dormidas de turistas ingleses no Litoral, Baixo, Alto e Alentejo Central, longe dos cerca de 90 mil vindos de Espanha, dos 50 mil da Alemanha ou dos 45 mil dos Estados Unidos da América.

No Baixo Alentejo o INE contabiliza 3725 dormidas de turistas britânicos, o que representa apenas sete por cento do total de dormidas de estrangeiros. No entanto, o Turismo de Portugal tem em marcha uma campanha com o objetivo de, pelo menos, manter o nível de visitas dos britânicos: ao “Brexit” inglês os portugueses responderam com “Brelcome”, o slogan da campanha em terras de Sua Majestade.

Vítor Silva, presidente da Associação de Promoção Turística do Alentejo, em declarações ao “Diário do Alentejo”, mostra-se confiante no futuro. “Os ingleses já perceberam que não irão ter dificuldades em sair para o estrangeiro. O Reino Unido não faz parte do Espaço Schengen, portanto, os constrangimentos serão os mesmos, terão de mostrar o passaporte tal como agora fazem”, explica. No entanto, “se houver um abrandamento na economia inglesa”, isso pode ter reflexos no poder de compra e, por essa via, diminuir a capacidade dos britânicos viajarem para o exterior. A aposta é diversificar. “Os turistas vindos do Brasil e dos Estados Unidos estão a crescer todos os anos e estes países não fazem parte da União Europeia”, refere.

Também na fileira do vinho “a preocupação não é muito grande”, diz Tiago Caravana, do gabinete de comunicação da Comissão Vitivinícola Regional do Alentejo (CVRA). “O mercado inglês não é importante para nós. Os preços exigidos por eles são baixos” e os ingleses compram o vinho maduro, por tradição, a países da Commonwealth, nomeadamente, Austrália e África do Sul. “Os produtores alentejanos têm conquistado outros mercados e preços melhores”, garante Tiago Caravana.

 

É também esta a ideia que passa Aida Pires, da Sociedade Agrícola de Pias – Vinhos Margaça, entidade que começou há pouco a exportar para Inglaterra através de uma empresa externa. No entanto, o volume não tem muito significado quando comparado com países como o Brasil, Taiwan, Suíça ou Alemanha.

 

Já no setor azeite, o Brexit também não mete medo. Gonçalo Morais, presidente do Centro de Estudos e Promoção do Azeite do Alentejo, com sede em Moura, disse ao “Diário do Alentejo” que “nenhum dos produtores associados se manifestou preocupado” com a saída do Reino Unido da União Europeia. E outra coisa não seria de esperar já que os mercados importadores por excelência são a Espanha, o Brasil e Itália e, mais recentemente, os Estados Unidos da América e Canadá. As preocupações vêm destes dois últimos destinos devido à guerra comercial entre os EUA e a Europa, o que pode pôr em causa as exportações para “um mercado emergente, com muito poder de compra e que tem crescido muito” nos últimos anos.

 

PORTUGUESES NO REINO UNIDOSerão cerca de 300 mil os portugueses que atualmente se encontram nas Ilhas Britânicas e, destes, 220 mil já efetuaram “settlement scheme”, o registo junto das autoridades do Reino Unido, um procedimento necessário na sequência do Brexit, informou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, na semana passada.“Todos os cidadãos portugueses que pretendam continuar a residir no Reino Unido, mantendo intactos os seus direitos, devem registar-se o mais depressa possível”, disse o ministro, explicando que é este procedimento “que permite que aqueles que estão no Reino Unido há mais de cinco anos tenham o título de residência definitiva e aqueles que estão a residir há menos tempo vejam contado o tempo de residência para, quando atingirem os cinco anos, terem a residência definitiva”.Aliás, o registo dos cidadãos estrangeiros é obrigatório para quem queira continuar a viver no Reino Unido depois do Brexit e a regra também é válida para quem já tem o estatuto de residente permanente.

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