Diário do Alentejo

Cante, campaniça e Mpgdp em sala em Beja

14 de novembro 2019 - 12:25

Foi inaugurada no Centro Unesco Para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, em Beja, a sala do Centro Interpretativo de A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria (Mpgdp)/Sala do Cante e da Viola Campaniça. Uma sala onde se poderá navegar um pouco pela história do cante alentejano e da viola que também o acompanha, através da mesa interativa Mpgdp, que contém os mais de três mil vídeos gravados por Tiago Pereira, realizador do projeto, com destaque, naturalmente, para o repertório da música tradicional do concelho de Beja. A iniciativa insere-se no âmbito das comemorações, em Beja, dos cinco anos da elevação do cante a Património Cultural Imaterial da Humanidade.

 

Texto Bruna Soares

 

Uma sala que, segundo André Tomé, coordenador do Centro Unesco – Beja, “terá em primeiro lugar informação em português e inglês sobre o universo do cante, da viola campaniça e do projeto Mpgdp, algo que em Beja estava em falta”. Acontece que a peça mais importante e central desta sala é “mesmo a mesa interativa, onde é possível consultar os mais de três mil vídeos que Tiago Pereira gravou até aqui, com destaque para o reportório do concelho de Beja”.

De acordo com o coordenador deste centro, “esta sala oferece ainda uma experiência musical em que os visitantes poderão entoar duas modas interpretadas pelos Cantadores do Desassossego e existe ainda a hipótese do visitante conseguir tocar uma viola campaniça”. E André Tomé adianta: “Esperamos, em breve, oferecer um conjunto de publicações sobre o cante para consulta no local”.

“Esta sala é importante na medida em que permite a salvaguarda da memória, dos homens e mulheres que nem sempre são valorizados como agentes culturais, e ainda pelo fator de promoção. Pela primeira vez, em Beja, há um arquivo acessível para visitantes da cidade, onde podem ficar a conhecer todas as tradições musicais de forma interativa”, considera. E depois, em sua opinião, é preciso destacar que “a Mpgdp há anos que faz um trabalho sem paralelo a documentar as tradições musicais do País e a divulgá-las como ninguém”. Por isso, defende: “Associarmo-nos a esta iniciativa, com esta sala, é reconhecer a sua importância e usufruir do imenso arquivo criado. Encaixa, perfeitamente, no espírito que o Centro Unesco – Beja tem na salvaguarda e promoções das memórias e tradições”.

Futuramente, “e é algo que está projetado”, o Centro Unesco, em Beja, ambiciona começar a “oferecer alguma programação em colaboração com a Mpgdp que contemple outras abordagens musicais tradicionais espalhadas pelo País”.

“De facto, temos criado umas parcerias com o Centro Unesco com vista a várias gravações, desde todos os grupos corais do concelho a histórias de vida em cada aldeia, que ainda andamos a fazer, entre outras coisas. E, de facto, foram todas estas parcerias que levaram a que se criasse esta mesa digital, que, para além de ter todo este espólio do concelho e do Alentejo, tem todo o espólio da Mpgdp”, diz, por sua vez, Tiago Pereira, o mentor do projeto a Música Portuguesa a Gostar Dela Própria.

O que o realizador espera agora é que as pessoas “se possam ‘perder’ nesta mesa, que não é a mesma coisa do que estar na Internet em casa. A mesa digital permite a uma pessoa em Beja estar em contacto com a música desta região, mas, ao mesmo tempo, de todo o País. E depois existe a possibilidade de fazer um ‘karaoke à alentejana’, e que permite que as pessoas, embora não entendendo como se canta o cante, percebam pelo menos a sua estrutura”.

Até porque Tiago Pereira considera que o “trabalho de salvaguarda do património desta região já há um tempo que está a ser feito” e que, no Alentejo, acontece uma coisa que não acontece nas outras regiões: “As crianças, desde a escola, têm acesso à música da sua região, e aprendem o cante alentejano. E isso é fundamental”. No entanto, em sua opinião, “é preciso entender cada vez mais que o cante alentejano depende das pessoas e que para isso é preciso fixá-las”. E explica: “Os grupos alentejanos, maioritariamente, são constituídos por pessoas mais velhas e quando essas pessoas morrerem, por mais que existam jovens nos grupos, não os vão poder manter se não conseguirem ficar na sua região”.

É, por isso, também que defende: “O Governo e o Ministério da Cultura deveriam de ter um papel mais forte no que diz respeito à salvaguarda do cante alentejano, porque é património imaterial da humanidade, e não deixar que toda a carga das deslocações destes grupos, por exemplo, continue sobre as câmaras municipais. Há muitas coisas que podem mudar, mas as pessoas têm de ter esse interesse e esse interesse tem de ser motivado, sempre. É preciso que o cante vá às escolas, mas é preciso que se perceba que o avô não canta da mesma forma, e que antigamente o cante se aprendia em grupo, em conjunto, em convívio, nos trabalhos do campo, e não no Youtube. É preciso ter informação disponível, e que está na mesa digital, com velhos cantadores, com as questões da importância do tom, entre tantas outras”. Esta é a primeira mesa interativa da Música Portuguesa a Gostar Dela Própria a existir no País. “O sonho era ter uma no sul, outra no centro e outra no norte”, conclui Tiago Pereira.

Beja comemora inscrição do cante como património da humanidade

A Câmara Municipal de Beja preparou, para assinalar os cinco anos do cante como património da humanidade, ainda uma série de atividades. Assim, para além desta inauguração, que acontecerá já este fim de semana, estão previstas atividades até ao dia 27 de novembro, dada da inscrição do cante na lista da Unesco. Está, assim, prevista a apresentação de um site na Internet dedicado aos grupos corais do concelho, um ciclo de debates e uma rota pelas igrejas de Beja. De acordo com a Câmara de Beja, “oferece-se em outubro e novembro uma oportunidade de discussão sobre aspetos pouco abordados nas discussões efetuadas ao longo destes últimos cinco anos”. Que acrescenta: “Cinco anos após a classificação, podem contar-se por Beja e suas freguesias 19 grupos corais seniores e dois grupos corais infantis. É um número que impressiona pela vitalidade que atesta. Prova que Beja sempre foi e será terra de cante”.

 

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