Foi inaugurada no Centro Unesco Para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, em Beja, a sala do Centro Interpretativo de A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria (Mpgdp)/Sala do Cante e da Viola Campaniça. Uma sala onde se poderá navegar um pouco pela história do cante alentejano e da viola que também o acompanha, através da mesa interativa Mpgdp, que contém os mais de três mil vídeos gravados por Tiago Pereira, realizador do projeto, com destaque, naturalmente, para o repertório da música tradicional do concelho de Beja. A iniciativa insere-se no âmbito das comemorações, em Beja, dos cinco anos da elevação do cante a Património Cultural Imaterial da Humanidade.
Texto Bruna Soares
Uma sala que, segundo André Tomé, coordenador do Centro Unesco – Beja, “terá em primeiro lugar informação em português e inglês sobre o universo do cante, da viola campaniça e do projeto Mpgdp, algo que em Beja estava em falta”. Acontece que a peça mais importante e central desta sala é “mesmo a mesa interativa, onde é possível consultar os mais de três mil vídeos que Tiago Pereira gravou até aqui, com destaque para o reportório do concelho de Beja”.
De acordo com o coordenador deste centro, “esta sala oferece ainda uma experiência musical em que os visitantes poderão entoar duas modas interpretadas pelos Cantadores do Desassossego e existe ainda a hipótese do visitante conseguir tocar uma viola campaniça”. E André Tomé adianta: “Esperamos, em breve, oferecer um conjunto de publicações sobre o cante para consulta no local”.
“Esta sala é importante na medida em que permite a salvaguarda da memória, dos homens e mulheres que nem sempre são valorizados como agentes culturais, e ainda pelo fator de promoção. Pela primeira vez, em Beja, há um arquivo acessível para visitantes da cidade, onde podem ficar a conhecer todas as tradições musicais de forma interativa”, considera. E depois, em sua opinião, é preciso destacar que “a Mpgdp há anos que faz um trabalho sem paralelo a documentar as tradições musicais do País e a divulgá-las como ninguém”. Por isso, defende: “Associarmo-nos a esta iniciativa, com esta sala, é reconhecer a sua importância e usufruir do imenso arquivo criado. Encaixa, perfeitamente, no espírito que o Centro Unesco – Beja tem na salvaguarda e promoções das memórias e tradições”.
Futuramente, “e é algo que está projetado”, o Centro Unesco, em Beja, ambiciona começar a “oferecer alguma programação em colaboração com a Mpgdp que contemple outras abordagens musicais tradicionais espalhadas pelo País”.
“De facto, temos criado umas parcerias com o Centro Unesco com vista a várias gravações, desde todos os grupos corais do concelho a histórias de vida em cada aldeia, que ainda andamos a fazer, entre outras coisas. E, de facto, foram todas estas parcerias que levaram a que se criasse esta mesa digital, que, para além de ter todo este espólio do concelho e do Alentejo, tem todo o espólio da Mpgdp”, diz, por sua vez, Tiago Pereira, o mentor do projeto a Música Portuguesa a Gostar Dela Própria.
O que o realizador espera agora é que as pessoas “se possam ‘perder’ nesta mesa, que não é a mesma coisa do que estar na Internet em casa. A mesa digital permite a uma pessoa em Beja estar em contacto com a música desta região, mas, ao mesmo tempo, de todo o País. E depois existe a possibilidade de fazer um ‘karaoke à alentejana’, e que permite que as pessoas, embora não entendendo como se canta o cante, percebam pelo menos a sua estrutura”.
Até porque Tiago Pereira considera que o “trabalho de salvaguarda do património desta região já há um tempo que está a ser feito” e que, no Alentejo, acontece uma coisa que não acontece nas outras regiões: “As crianças, desde a escola, têm acesso à música da sua região, e aprendem o cante alentejano. E isso é fundamental”. No entanto, em sua opinião, “é preciso entender cada vez mais que o cante alentejano depende das pessoas e que para isso é preciso fixá-las”. E explica: “Os grupos alentejanos, maioritariamente, são constituídos por pessoas mais velhas e quando essas pessoas morrerem, por mais que existam jovens nos grupos, não os vão poder manter se não conseguirem ficar na sua região”.
É, por isso, também que defende: “O Governo e o Ministério da Cultura deveriam de ter um papel mais forte no que diz respeito à salvaguarda do cante alentejano, porque é património imaterial da humanidade, e não deixar que toda a carga das deslocações destes grupos, por exemplo, continue sobre as câmaras municipais. Há muitas coisas que podem mudar, mas as pessoas têm de ter esse interesse e esse interesse tem de ser motivado, sempre. É preciso que o cante vá às escolas, mas é preciso que se perceba que o avô não canta da mesma forma, e que antigamente o cante se aprendia em grupo, em conjunto, em convívio, nos trabalhos do campo, e não no Youtube. É preciso ter informação disponível, e que está na mesa digital, com velhos cantadores, com as questões da importância do tom, entre tantas outras”. Esta é a primeira mesa interativa da Música Portuguesa a Gostar Dela Própria a existir no País. “O sonho era ter uma no sul, outra no centro e outra no norte”, conclui Tiago Pereira.