Após 15 anos da edição de Com o tamanho do tempo – por Beja onde são maiores as horas e os horizontes – título, à semelhança do que dá nome ao trabalho agora publicado, da autoria de Martinho Marques, companheiro poético em muitas das obras do fotógrafo bejense –, António Cunha fala deste seu novo livro como uma redescoberta do espaço retratado: “Há uma grande responsabilidade em voltar a encarar um sítio que já fotografaste. É necessário um processo iniciático, no sentido de te deixares cativar novamente pelo espaço que vais retratar. O envolvimento emocional, com as coisas e com as pessoas que vais encontrando, é imprescindível para recriar a criatividade. A maravilha da redescoberta é sempre uma provocação e um estímulo para o fotógrafo, uma forma de sentires que o que estás a fazer não provém de um pensamento estático. Eu posso ir 100 vezes ao mesmo sítio mas sei que hei de lá encontrar, de cada vez, algo novo, como resultado de um processo de reflexão sobre aquilo que estou a olhar”.
“Neste não aparecem crianças”
Para António Cunha, a atual revisitação fotográfica é reveladora de uma paisagem rural completamente distinta daquela que se encontrava, no concelho, há década e meia atrás, resultado da intensificação das monoculturas: “Independentemente de qualquer consideração sobre o tipo de agricultura praticada, a realidade é que a paisagem se modificou totalmente, encontrando-se agora mais monocromática, colocando-se uma maior dificuldade na fotografia paisagística. Evidentemente que eu ficava mais contente quando, há uns anos atrás, a paisagem era mais muito mais atraente do ponto de vista gráfico, textural, quando existia uma explosão de cores, por todo o campo. Antes, a paisagem mexia-se cromaticamente, hoje fica quieta, ao longo das várias estações do ano”.
Ainda assim, a grande transformação no retrato do concelho provém da ausência de habitantes nas povoações ao redor da cidade de Beja: “Fotografei para este livro praticamente todas as aldeias do concelho, que continuam muito bonitas, sempre muito bem apresentadas, muito asseadas, mas praticamente vazias. As pessoas desapareceram das ruas, muito raramente se vê alguém a passar. Até os velhotes, que costumavam estar à conversa sentados nos poiais, desapareceram, essa ‘quadrilha’ com histórias do mundo rural sempre curiosas de ouvir, já lá não está. E não se vê uma criança a brincar. Ao contrário do outro livro, neste não aparecem crianças. Este grande despovoamento, esta desertificação a que assisti, preocupou-me muito, afligiu-me, deixou em mim uma melancolia”.
Um abatimento que não lhe colocará, contudo, uma dúvida que seja no desígnio do seu trabalho: “Eu vivo para a fotografia, com esta paixão desenfreada que lhe tenho, e é com ela que eu me entendo com o mundo que me rodeia”, diz o fotógrafo da “National Geographic”, enquanto olha para a capa da sua mais recente criação, o “vagar” inscrito no título.