“Nessa feiras havia homens a vender décimas, conjuntos de quadro versos feitos a partir de um mote, tradição praticamente perdida no Baixo Alentejo mas que ainda existe no Alto Alentejo, por exemplo, no Alandroal. Pedi a um poeta popular que fizesse as décimas e voltei a cantá-las”. Na “Roda de Despique”, outro tema do álbum, Pedro Mestre coloca-se no papel do cantador e tocador de campaniça que andava de terra em terra a animar feiras e mercados: “Nesta Roda do Despique/ Cantam-se amores falados/ Eu canto de viola ao peito/ Trinando pontos pisados”.
“Mantenho que a campaniça pode ser tocada por muitas pessoas, isto é, qualquer músico afina-a à sua maneira e toca. No entanto, para retirar dela os trinados puros da tradição é preciso mergulhar na fonte e vivê-la na sua origem”, sublinha o músico, considerando que o trinado da campaniça “é a sua riqueza maior”.
As rodas do despique, nas quais se cantava de improviso, ao desafio, tiveram um papel fundamental na preservação da campaniça. Era o tempo em que às feiras de Castro, ou de Cuba, ia gente como o Matias Cego ou a Zefinha de Portel que, a troco de uma moeda, cantavam de improviso as novidades da terra. “Tenho depoimentos e entrevistas de pessoas que viveram esse período”, conta Pedro Mestre, apostado em dar projeção a estas manifestações do cancioneiro tradicional: “É de todo importante juntar o cante e a música alentejana a outras realidades musicais, mas o cante não pode deixar de aparecer como ele é”.
Num trabalho onde se fala muito de amores – “Carolina”, por exemplo, um poema de Rosa Guerreiro Dias presta homenagem à filha do músico, mas também ao seu avô, homem ligado às tabernas e ao cante e que era conhecido pelo “Carolina” – não faltam sonoridades mais alegres, ritmos que embalavam os bailes pela noite dentro – “Silva, silva, enleio, enleio”, uma dança que chegou a ter coreografia para os bailes de mastros, é aqui interpretada por Pedro Mestre e Celina de Piedade. “Havia o cante às vozes mas também se dançava e também havia festa. Quando tinham vagar, as pessoas conviviam com mais proximidade do que hoje e tento mostrar esse Alentejo que já não existe”.
Além de Celina da Piedade, “Mercado de Amores” conta com a participação de vários músicos convidados, como Ricardo Ribeiro, Lúcia Moniz, Pedro Calado, o Rancho de Cantadores de Aldeia Nova de São Bento, o Grupo Coral da Casa do Povo de Reguengos de Monsaraz, David Pereira e José Diogo Bento, entre outros.
“Tento apresentar um trabalho que possa chegar mais além naquilo que é a inovação da música tradicional, para cativar outros públicos, mas que leve nele a tradição pura da nossa maneira de ser. Tenho orgulho de ter o conhecimento de toda esta riqueza, de toda esta diversidade, que é o cante no Alentejo”. Um cante de vozes, classificado pela Unesco como Património Imaterial da Humanidade, mas também feito de “outras roupagens”, nas quais cabem as sonoridades tradicionais da serra de Almodôvar, mas também as do litoral de Odemira ou de serra de São Mamede.
Herdeiro de “Campaniça do Despique”, que valeu ao músico de aldeia de Sete, Castro Verde, o prémio Carlos Paredes e cuja digressão incluiu quase uma centena de concertos em diversos palcos, entre os quais o Centro Cultural de Belém, “Mercado dos Amores” apresenta-se como “expressão sentimental do bem-querer dos amantes”, um romantismo bucólico no qual se “enleiam registos de expressões amorosas que o tempo levou, mas que é bom ficarem nas memórias”.