Diário do Alentejo

"Não podem ser minimizadas corrupções"

10 de junho 2019 - 12:25

Centenas de pessoas, muitas delas munidas da bandeira nacional, acompanharam em duas avenidas de Portalegre as comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. “Já ontem [domingo] estive nas comemorações e hoje voltei, como não podia deixar de ser. Também estive na tropa e já não me lembrava de ver tanta arma junta”, disse Daniel Sardinha, um dos habitantes da cidade alentejana, encostado ao gradeamento, atrás das tropas em parada.

 

“Estou à espera de ver o nosso Presidente. É uma figura familiar, já estou habituada a vê-lo na televisão todos os dias”, disse Lurdes Mourato, ladeada pelo marido, José, manifestando-se satisfeita por Portalegre acolher as comemorações do 10 de Junho.

 

A presidente da Câmara de Portalegre, Adelaide Teixeira, agradeceu ao Presidente da República por “fazer acreditar” que é possível ter “esperança” no futuro e escolher aquela cidade para as comemorações do 10 de Junho: “Portalegre agradece-lhe por nos fazer acreditar que é possível voltar a ter esperança no futuro e que unidos por um desígnio comum poderemos fazer do nosso Alentejo um território de oportunidades e de excelência”.

 

No seu discurso, o Presidente da República defendeu que Portugal é muito mais do que fragilidades ou erros, mas advertiu que não podem ser omitidos novos ou velhos fracassos coletivos, nem minimizadas corrupções, falências da justiça ou indignações.

 

Marcelo Rebelo de Sousa falou sobre múltiplos casos de sucesso de portugueses no mundo, muitos dos quais são desconhecidos por parte da generalidade dos cidadãos nacionais. Neste contexto, no entanto, deixou depois um aviso: "Não podemos nem devemos omitir ou apagar os nossos fracassos coletivos, os nossos erros antigos ou novos".

 

"Não podemos nem devemos esquecer ou minimizar insatisfações, cansaços, indignações, impaciências, corrupções, falências da justiça, exigências constantes de maior seriedade ou ética na vida publica", sublinhou.

 

Essa mesma ideia de insatisfação tinha antes sido globalmente transmitida no discurso proferido pelo presidente da edição deste ano do Dia de Portugal, o jornalista João Miguel Tavares, natural de Portalegre, segundo o qual a falta de esperança e as desigualdades de oportunidades podem dar origem a uma geração de adultos desencantados.

 

"A integração na Europa do euro não correu como queríamos, construímos autoestradas onde não passam carros, traçámos planos grandiosos que nunca se cumpriram, afundámo-nos em dívida e ficámos a um passo da bancarrota. Três vezes - três vezes já - tivemos de pedir auxílio externo em 45 anos de democracia. É demasiado”, declarou.

 

João Miguel Tavares referiu-se aos casos em torno do sistema financeiro "num país amnésico, cheio de gente que não sabe de nada, que não viu nada, que não ouviu nada”. "Percebemos que a corrupção é um problema real, grave, disseminado, que a justiça é lenta a responder-lhe e que a classe política não se tem empenhado o suficiente a enfrentá-la. A corrupção não é apenas um assalto ao dinheiro que é de todos nós - é colocar cada jovem de Portalegre, de Viseu, de Bragança, mais longe do seu sonho", disse.

 

Antes destas críticas ao atual estado do país, o jornalista frisou que é natural de Portalegre, uma cidade do interior que, na década de 80, "estava a quatro horas de distância de Lisboa" por carro, salientado então que a sua geração, assim como a dos seus pais, beneficiaram muito com o Portugal democrático.

 

No presente, porém, segundo João Miguel Tavares, a perspetiva do país é outra e "o sonho de amanhã ser-se mais do que se é hoje vai-se desvanecendo, porque cada família, cada pai, cada adolescente, convence-se de que o jogo está viciado, que não é pelo talento e pelo trabalho que se ascende na vida, que o mérito não chega, que é preciso conhecer as pessoas certas, que é preciso ter os amigos certos e que é preciso nascer na família certa".

 

"No nosso país instalou-se esta convicção perigosa: um jovem talentoso que queira singrar na carreira exclusivamente através do seu mérito, a melhor solução que tem ao seu alcance é emigrar. Isto é uma tragédia portuguesa", declarou o jornalista, que ainda foi mais longe nos seus avisos:  "A falta de esperança e a desigualdade de oportunidades podem dar origem a uma geração de adultos desencantados, incapazes de acreditar num país meritocrático. Esta perda de esperança aparece depois travestida de lucidez e rapidamente se transforma numa forma de cinismo. Achamos que temos de ser pessimistas para sermos lúcidos, que temos de ser desesperançados para sermos realistas, que temos de ser eternamente desconfiados para não sermos comidos por parvos".

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