Diário do Alentejo

Comissão "Cravinho" inclinada para mapa com 5 regiões

27 de maio 2019 - 15:00

Texto Luís Godinho

 

Cinco regiões: Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve. É este o modelo – “uma base bem aceite no País” – que deverá ser proposto pela comissão independente composta por sete personalidades indicadas pelos partidos políticos que está a preparar um relatório sobre a regionalização. Em entrevista ao “Diário do Alentejo”, o presidente da comissão, o ex-ministro socialista João Cravinho, diz que o assunto “não é primacial”, mas recorda que as chamadas regiões-plano vão fazer meio século, tendo “sobrevivido ao próprio regime”. Segundo Cravinho, a Constituição da República “não é amiga” da regionalização, sendo que a consolidação da democracia veio tornar “claros” os “limites” do municipalismo num país “onde a governação está excessivamente concentrada”.

 

Os trabalhos da comissão ficam concluídos em julho. Isso fará com que o tema seja incontornável na campanha eleitoral para as Legislativas?Bom, nós faremos o que corresponde ao nosso mandato. Foi-nos pedido para produzir um relatório sobre os pontos essenciais das questões da descentralização em Portugal, atacando matéria entre os níveis nacional e municipal, isto é, incidindo sobre as comunidades intermunicipais, as áreas metropolitanas e as regiões, e é isso que faremos até 31 de julho. A nossa obrigação é fazer esse relatório da melhor forma que soubermos.

 

Mas o facto de coincidir com um período que já será de pré-campanha, sendo inevitável um debate político mais acalorado sobre o tema, é positivo ou negativo para o processo de regionalização?Acho natural que aja forças políticas que perante as eleições que se avizinham, e tendo de fazer a apresentação do seu programa para um período de quatro anos, abordem esta questão. Nesta matéria, cada força política fará o seu juízo, a sua apreciação, sobre o modo exato de colocar a questão ao eleitoral para que as pessoas possam compreender qual a intenção do partido em causa. É o normal da vida política.

 

Já o ouvi dizer que a Constituição da República não é amiga da regionalização.Não, não é. Ao dizer isto estou a constatar o óbvio, pois as condições que foram introduzidas com a revisão constitucional na década de 90 [obrigatoriedade de aprovação por referendo em todas as regiões] tornam muito difícil a concretização da regionalização. Foram introduzidos vários condicionalismos na própria Constituição que tornam difícil o processo. Nós, em matéria de grandes decisões políticas, fomos tomando decisões com enorme repercussão na nossa vida sem que houvesse qualquer referendo. Neste caso introduziu-se o referendo e outras condições que são consideradas necessárias para que a regionalização possa ter lugar [entre as quais a aprovação pela maioria das assembleias municipais], que são muito mais pesadas do que noutras circunstâncias, como, por exemplo, a entrada no euro. A entrada no euro fez-se sem referendo. Não estou a dizer que a regionalização pudesse ser feita sem referendo, estou a dizer que no nosso sistema político o referendo nacional corresponde a uma exceção. Normalmente os referendos fazem-se quando existem questões nacionais que envolvem valores essenciais e precisamos de uma norma que reflita os sentimentos mais profundos da população.

 

Não é o caso da regionalização?Não é o caso, mas repare que eu não sou contra, pois observo que muita gente vê no referendo à regionalização uma garantia de democraticidade e, portanto, temos de ter isso em atenção.

 

Acha que a questão do mapa das futuras regiões, à semelhança do que sucedeu no anterior referendo, poderá de alguma forma inquinar o debate político?Depende do mapa, precisamente… os mapas tipo NUT II coincidentes com as áreas das atuais comissões de coordenação e desenvolvimento regional [Norte, Centro, Lisboa, Alentejo e Algarve] são uma hipótese. Não estou a dizer que sejam perfeitos, nem que não possam, nalguns casos, gerar controvérsia, mas constituem uma base relativamente bem aceite no País. Temos também este assunto em análise mas não o consideramos uma matéria primacial.

 

É um bom ponto de partida?As regiões-plano vão fazer 50 anos, sobreviveram ao próprio regime, sofreram algumas alterações mas o modelo ou a finalidade das CCDR apenas decaiu um pouco porque também decaiu o conceito de planeamento enquanto elemento estruturante essencial da atividade nacional. Não foi a CCDR enquanto instituição que decaiu foi, de certo modo, a função que ela servia que decaiu um pouco.

 

O engenheiro João Cravinho tem um longo passado na vida política nacional, foi ministro pela primeira vez em 1975, a regionalização está consagrada na Constituição desde 1976, pergunto-lhe por isso por que é que não foi possível criar as regiões ao longo destas últimas décadas?É preciso ser realista e atender a que o desenvolvimento do País tem dinâmicas fortes em determinadas fases. Quando se deu a democratização baseada no conceito de grande proximidade às populações e se pensou que eram os municípios as entidades político-administrativas que melhor garantiam essa função, a regionalização perdeu força, perdeu urgência. Hoje em dia, 45 anos depois, e estando o municipalismo perfeitamente implantado em Portugal, conhecemos muito mais os limites desse modelo. Repare que muitos autarcas rejeitam certas competências [transferidas da administração central] por entenderem que os problemas não se resolvam ao nível municipal, nem às vezes à escala do associativismo municipal. A consolidação da democracia vai clarificando, evidenciando, como é que o exercício da democracia traduzido em gestão territorial está ou não adequado aos problemas sentidos pela população e hoje há a ideia clara dos limites do municipalismo.

 

Acredita então que está consolidada a ideia da indispensabilidade da criação das regiões administrativas?O que acredito é que essa ideia está em cima da mesa, parece-me que é oportuno examinar essa ideia sem esquecer os riscos que a regionalização também acarreta. Não nos podemos abstrair da possibilidade de, através da regionalização, se desenvolverem certo tipo de comportamentos e se repetirem atitudes nocivas. Esses riscos existem mas existe também o risco de não se fazer a regionalização e de se perderem as suas vantagens. Portugal é um país onde a governação está excessivamente concentrada, há uma centralização excessiva no conjunto dos sistemas de governação. Isto é algo que toda a gente diz. Sendo assim, seria estranho que não se pudesse questionar ou resolver esse problema.

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