Diário do Alentejo

Ministra da Agricultura anuncia declaração de seca no Sul do País

12 de maio 2023 - 12:00
A retenção de um por cento do que choveu neste ano daria para encher outro Alqueva
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

A ministra da Agricultura anunciou, na passada segunda-feira, que assinou a declaração de seca severa e extrema, com efeitos em 40 por cento do território nacional, abrangendo 67 municípios a sul do Tejo. A medida, há muito reclamada pelos agricultores, pode ajudar a minorar alguns dos problemas atuais, mas o setor pede soluções a longo prazo para enfrentar o novo normal da situação climática.

 

Texto Aníbal Fernandes

Maria do Céu Antunes garantiu no início da semana que já tinha assinado o despacho que oficializa a situação de seca extrema em cerca de 40 por cento do território nacional.

 

São 67 os concelhos abrangidos pela medida – incluindo todos os do distrito de Beja –, o que, segundo a ministra, vai permitir que os agricultores recorram “aos apoios que decorrem do pedido único do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (Pepac), ou a outro conjunto de medidas” que estão em processo de autorização em Bruxelas e que, por exemplo, permitirão que, “em algumas regiões, as terras que estão em pousio possam ser utilizadas para a pastorícia”.

 

Numa nota à imprensa, a ministra da Agricultura e da Alimentação diz que “esta situação meteorológica afeta fortemente a atividade agrícola e o rendimento dos agricultores” e que, portanto, “é da máxima importância o reconhecimento desta realidade para que possamos ajudar os agricultores.É uma situação que sinalizámos na semana passada, no Luxemburgo, na última reunião Agrifish, e esperamos da Comissão [Europeia] um apoio firme para fazer face a esta situação estrutural”. 

 

O comunicado acrescenta que, para além do pastoreio em áreas de pousio antes de 31 de julho, a declaração permitirá “a flexibilização da alimentação dos animais em modo de produção biológica, o alargamento do intervalo entre partos e da percentagem máxima de novilhas na intervenção Pepac de pagamento à vaca em aleitamento”.

 

No entanto, a ministra, que falava durante uma deslocação ao Fundão, na Beira Baixa, disse estar ainda à espera da declaração de seca do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) para publicar o despacho, garantindo, porém, que o documento terá efeitos retroativos a 5 de maio.

 

Maria do Céu Antunes avisa que, de acordo com as previsões do IPMA, “a situação tenderá a agravar-se”, atingindo mais dos que os municípios agora sinalizados, uma vez que “tivemos, em abril, três ondas de calor, temperaturas médias e máximas acima de normal e uma humidade e pluviosidade abaixo do normal desde fevereiro”.

 

O Governo refere que a execução “das diversas medidas disponibilizadas em 2022, no âmbito do PDR 2020, para apoio ao investimento nas explorações agrícolas, decorre em 2023 e 2024”, e cita “o apoio para construção de charcas, para reforço da eficiência no uso de recursos/agricultura de precisão, para instalação de culturas permanentes tradicionais e para instalação de painéis fotovoltaicos, num montante disponibilizado que ronda os 160 milhões de euros”.

 

Por seu lado, o presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) diz que a presente condição climática já é responsável por “três grandes desastres: no setor da pecuária; na produção de cereais; e na ausência de água para fazer culturas importantes como é a do arroz”.

 

“Na região do Alto Sado, as perdas são na ordem dos 10 milhões, e, nos cereais, talvez 15 milhões”, concretiza Eduardo Oliveira.

 

SOLUÇÕES DE FUTURO

O representante dos agricultores, perante o facto de no início do ano ter chovido muito, garante que “se tivéssemos aproveitado um por cento de toda essa água teria sido possível armazenar água para quase tanto como o Alqueva”.

 

Para isso, “era preciso que o tal plano de regadio de que falamos insistentemente estivesse em marcha”, diz Eduardo Oliveira, defendendo “mais armazenamento e capacidade para fazer transvazes entre bacias”.

 

Estas declarações estão em linha com a opinião que vários especialistas proferiram nesta semana. Joaquim Poças Martins, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, em declarações ao jornal “Público”, defende “medidas estruturantes” que garantam o abastecimento público e que preparem o País para “o novo normal”.

 

Francisco Ferreira, da associação ZERO, diz que “Portugal não tem uma estratégia” e defende um plano nacional para o uso da água.

 

Maria João Roxo, geógrafa, da Faculdade das Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, critica o facto de até agora o País estar “sistematicamente a reagir”.

 

Para esta especialista, é necessário fazer o levantamento dos “recursos hídricos que temos” – incluindo os subterrâneos – e, em vez de apoiar a construção de charcas, apostar “em pequenas barragens interligadas” e medidas estruturais.

 

PCP E PSD DEFENDEM APOIOSPrimeiro o PCP e, logo a seguir, o PSD, apresentaram, no âmbito da Assembleia da República, propostas de apoio ao setor agrícola e pecuário.

 

Os comunistas, através de um projeto de resolução, defendem que o Governo, “no imediato, acione a ajuda de crise no âmbito da Política Agrícola Comum” e “crie um apoio extraordinário dedicado à aquisição de alimentação animal, quer no que respeita à pecuária, quer no que se refere à apicultura, para assegurar a disponibilidade de alimento necessário para a manutenção dos efetivos, salvaguardando a continuidade das explorações”.

 

O PCP exige ainda uma “gestão da utilização da água para fins agrícolas, nos diversos aproveitamentos hidroagrícolas, de modo a salvaguardar o acesso à água pelos pequenos e médios agricultores e agricultores familiares, considerando a precedência destes, face às utilizações da água para rega de culturas em regime superintensivo”.

 

Também o PSD quer a definição de “um valor para o apoio à alimentação animal para os efetivos que tenham de recorrer à “alimentação à mão” e insta o executivo a “estimar a diminuição de área cultivada nas diversas culturas, resultante da seca, e acione os competentes mecanismos extraordinários de apoio no âmbito da PAC”, defendendo “limites ao preço da água no perímetro de rega do Alqueva, evitando novos aumentos no preço da água para os regantes”.

 

MINISTRA DA AGRICULTURA DEFENDE-SE

A ministra da Agricultura e Alimentação, Maria do Céu Antunes, no final de uma reunião do Conselho para o Acompanhamento do Regadio (CAR) do Alqueva na terça-feira, recusou que o Governo se tenha atrasado a reconhecer a situação de seca em território nacional, justificando que só agora o fez devido às regras europeias.

 

Da reunião resultou também o anúncio de aumento do preço da água do Alqueva para regadio, na ordem dos 24 por cento, “bastante mais baixo” do que o previsto em fevereiro – cerca de 140 por cento, fruto do impacto dos custos da energia no empreendimento de Alqueva

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