Diário do Alentejo

Fábrica de bagaço de azeitona de Fortes e Ambilital alvos de “processo-crime por danos contra a natureza”

29 de janeiro 2023 - 13:00
Em causa peixe de duas barragens no Monte Novo das Ermidas, pastos e duas centenas de vacas
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O tempo chuvoso tem sido considerado uma dádiva por todos os que trabalham no setor agrícola. No entanto, em alguns casos, também pode trazer problemas nunca solucionados. É o caso de um empresário agrícola de Ermidas do Sado que viu as suas duas barragens invadidas por efluentes prejudiciais à atividade agropecuária que desenvolve na sua propriedade e que pode levar à morte, primeiro, dos peixes e, depois, das vacas que aí bebem a água.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

Para António Dores, proprietário do Monte Novo das Ermidas, o problema não é novo. Já viu, por mais de uma vez, a água das suas duas barragens serem invadidas por efluentes perniciosos que a tornam imbebível para os animais que delas dependem para sobreviver: os peixes e as vacas.

 

Situada no concelho de Santiago do Cacém, a herdade dista apenas meia dúzia de quilómetros da Azeites de Portugal (AZPO), fábrica de transformação de bagaço de azeitona, situada perto da localidade de Fortes, em Ferreira do Alentejo, unidade há muito contestada pelos habitantes da pequena povoação pelo incómodo ambiental que causa, e confina com a Ambilital – Investimentos Ambientais no Alentejo, no Monte Novo dos Modernos.

 

O proprietário diz que nos últimos anos, em virtude da pouca pluviosidade, o problema não tem sido sentido, mas, este ano, fruto da chuva que tem caído e da linha de água que liga a sua herdade à fábrica em questão, a água tem-se tornado imprópria para o consumo dos animais e do pivô que usa para regar milho.

 

É já possível ver o peixe morto a boiar na água e teme que, tal como já aconteceu, que o gado ao bebê-la “vá mirrando e acabe por morrer”. Mas não é apenas a água que está contaminada, o fundo da barragem também está cheio de resíduos tóxicos.

 

“Sendo a minha herdade uma exploração pecuária, com cerca de 200 bovinos que bebem água das barragens, temo vir a sofrer as consequências de tais descargas”, pois as referidas charcas “são os únicos pontos de água disponíveis para os animais”, diz o agricultor, acrescentando que também “a qualidade do pasto e culturas que ali sejam levadas a cabo, pois o subsolo absorve, sem qualquer dúvida, todos estes químicos”, ficam em causa, uma vez que “o abastecimento das culturas de regadio, no período mais seco”, utiliza esse recurso.

 

António Dores diz que a situação em relação à fábrica das Fortes é “recorrente” e que a unidade industrial até já terá sido multada anteriormente, “mas, pelos vistos, a preocupação ambiental continua a ser nula”, lamenta. Desta vez chegou à fala com um responsável da AZPO que se comprometeu a “pedir água à barragem do Roxo para minimizar o problema”, frisando bem a palavra “minimizar”…

 

O proprietário diz que “estas situações foram, em anos anteriores, denunciadas às entidades competentes”, mas, “no caso referente à Ambilital, pouco ou nada podem fazer, visto a legislação que abrange este organismo, gerido por entidades públicas, lhes concede o direito de poderem transbordar com resíduos as lagoas sempre que entenderem”, sem que daí lhes advenha qualquer consequência, “a não ser o prejuízo de outros”.

 

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Na passada sexta-feira, o Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (Sepna) da Guarda Nacional Republicana (GNR) de Santiago do Cacém, acompanhado de elementos da Administração da Região Hidrografica do Alentejo e do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), deslocaram-se ao local para tomar conta da ocorrência.

 

O capitão Mota, da GNR, confirmou ao “Diário do Alentejo” a realização da “fiscalização conjunta”, em que foram recolhidas amostras da água para análise pelas entidades competentes. A recolha dos peixes mortos apenas teve lugar na passada terça-feira, por “razões operacionais”.

 

“Segue-se um processo-crime por danos contra a natureza” que, para já, está a correr sob a égide de um procurador de Setúbal, explicou o comandante.

 

O “Diário do Alentejo” contactou por email as administrações da AZPO e da Ambilital, mas, até ao fecho da edição, não foi possível recolher qualquer comentário sobre o assunto.

 

“VAMOS MORRER AOS POUCOS”

Fátima Mourão, da Associação Ambiental Amigos das Fortes, tem acompanhado esta e outras situações semelhantes ao longo dos anos. “Este tem sido um inverno horrível, mas já não nos queixamos”, diz a activista, referindo-se ao impacto dos fumos e poeiras que caem na localidade.

 

“Vamos morrendo aos poucos porque ninguém vê o que está acontecer”, lamenta. “Mas com os peixes é visível”, diz.

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