Diário do Alentejo

Agrava-se a falta de médicos de família no Baixo Alentejo

23 de dezembro 2022 - 12:00
Autarcas de Aljustrel e Mértola exigem “medidas extraordinárias” para “situação de crise extraordinária”
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

Não é novidade para ninguém, mas nos últimos tempos a situação tem-se agravado. A falta de médicos de família na área de influência da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (Ulsba) levou a que, na última semana, os municípios de Mértola e Aljustrel viessem a público manifestar a sua “preocupação” e a exigir soluções para o problema. Não são os únicos: Alvito e Ferreira do Alentejo, bem como Albernoa e Trindade, também se debatem com o mesmo problema.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

No concelho de Aljustrel 30 por cento dos inscritos no Serviço Nacional de Saúde não tem acesso a médico de família. Em Mértola não existem números exatos, mas estima-se que cerca de metade dos utentes esteja na mesma situação.

 

Carlos Teles, presidente da Câmara Municipal de Aljustrel, manifesta-se “muito preocupado” com este cenário de crise e pretende que o atendimento médico no concelho seja assegurado 24 horas por dia. Estas foram algumas das questões que o autarca da vila mineira levou à reunião com a direção da Ulsba, na passada segunda-feira.

 

“Em janeiro vamos perder mais um médico e um outro passará a meio tempo. Se juntarmos mais um que já se encontra na mesma situação, teremos um défice de dois clínicos, quando aqueles que cá estavam já não eram suficientes”, explicou.

 

O encontro com a presidente da Ulsba não trouxe grandes novidades. Carlos Teles, disse ao “Diário do Alentejo” que Conceição Margalha “tem muita vontade para resolver o problema, mas não há médicos e não se fazem omeletes sem ovos”.

 

Para o autarca a solução está à vista de todos e passa por criar condições para que os 500 médicos extracomunitários existentes possam ter “acesso a um estágio tutelado” de forma a serem certificados para a especialidade de medicina geral e familiar, algo que “a Ordem dos Médicos dificulta”, acusa o autarca.

 

“Em Espanha já estão a fazer isso e, se não nos apressarmos, quando quisermos fazer o mesmo já cá não temos nenhum. Aqui em Aljustrel está um médico ortopedista cubano a trabalhar na fábrica da borracha e no Hospital de Beja não há nenhum clínico da especialidade”, um caso que o autarca considera “incompreensível”.

 

Em comunicado, emitido sobre este tema, a Câmara Municipal de Aljustrel questiona-se: “Como é possível que, sendo Medicina um dos cursos mais dispendiosos para o erário público português, se possa permitir que os médicos recém-formados vão exercer diretamente para o estrangeiro ou para o sistema privado? Como é possível que centenas de médicos estrangeiros estejam a passar por processos de certificação “labirínticos” para acederem à profissão em Portugal? Como é possível consentirmos que cada vez mais médicos estrangeiros abandonem Portugal devido à dificuldade em obter reconhecimentodo seu curso, indo exercer noutros países, incluindo muitos em Espanha?”.

 

O presidente da Câmara de Aljustrel considera que é hora de o Governo rever as regras em conjunto com a Ordem dos Médicos e, nesse sentido, solicitou uma reunião ao secretário de Estado da Saúde para o sensibilizar para o problema.

 

No entanto, o município já está a contribuir para a resolução do problema, nomeadamente, pondo em discussão pública o Projeto de Regulamento Municipal de Apoio à Fixação de Médicos, de forma a permitir apoiar a aquisição ou o arrendamento de habitação e a deslocação de médicos ao concelho e sugere que se estude a reativação do “serviço de apoio à periferia, que no passado já deu grande prova de eficácia, levando médicos recém-licenciados para o interior do país”.

 

O município de Aljustrel considera que a “situação é de crise” e, como tal, justificam-se “medidas extraordinárias” para o resolver.

 

Por seu lado, Pedro Vasconcelos, presidente do Conselho Distrital de Beja da Ordem dos Médicos, considera que “há limites que têm de ser cumpridos para salvaguardar a qualidade científica da prestação do serviço”.

 

Salvaguardando não conhecer em pormenor o que é proposto pelo autarca, lembra que para os médicos originários de países com o sistema de ensino de medicina reconhecido pela Ordem dos Médicos, a situação será uma; caso contrário, os candidatos “têm de apresentar a documentação e prestar provas da sua competência”, concluiu.

 

DIFICULDADES NA CONTRATAÇÃOTambém em Mértola se queixam do mesmo problema. O presidente da Câmara, Mário Tomé, está preocupado com a “falta de profissionais” no centro de saúde local, e encontra-se “em conversações” com dois médicos para trabalharem no concelho. No entanto, este não é um processo simples.

 

O autarca, em declarações ao “Diário do Alentejo”, diz que, depois de se ter reunido com a direção da Ulsba, percebeu que “existe um conjunto de variáveis que dificulta a sua contratação”, por parte da Ulsba.

 

A intenção é, após a sua entrada na estrutura, a Câmara Municipal de Mértola assegurar “uma compensação, quer a nível de alojamento ou de transporte”, para ajudar à fixação destes profissionais no concelho.

 

Estes são problemas que se arrastam há anos e, apesar de ser uma competência “do Governo Central”, o município mostra-se disponível para colaborar na resolução do problema. “O estado do País, a nível de Saúde, é muito mau e nunca se deveria ter deixado chegar a este nível”, diz Mário Tomé, que tem mantido o diálogo, quer com a direção do Centro de Saúde de Mértola, quer com a administração da Ulsba.A propósito da noticiada substituição de Conceição Margalha na presidência da Ulsba (ver caixa), o autarca lamenta e diz temer “que a sua saída tenha a ver com a situação de tanto querer fazer e não o conseguir”.

 

CONCEIÇÃO MARGALHA NÃO “ACEITA” CONTINUARJosé Carlos Queimado deverá ser o próximo presidente da Ulsba, noticiou, na passada segunda-feira, a “Rádio Pax”. O “Diário do Alentejo” tentou, até à hora de fecho da edição, confirmar a substituição de Conceição Margalha junto da ARS Alentejo e da própria Ulsba, mas o silêncio imperou.

 

No entanto, fontes do hospital de Beja, contactadas pelo nosso jornal, confirmaram que a notícia corre “há semanas” no hospital e que a saída da, ainda, presidente da administração, se deve a “cansaço” da mesma, argumento que utilizou para não aceitar o convite do novo ministro da Saúde para continuar em funções.

 

A confirmar-se, a mudança deve acontecer no próximo dia 1 de janeiro, uma vez que a comissão de serviço desta administração termina no último dia de 2022. José Carlos Queimado é um gestor com um vasto currículo na área da saúde, nomeadamente, na ARS do Algarve.

 

Desde julho que exerce funções como diretor-executivo do Agrupamento de Saúde de Loures-Odivelas. De acordo com o seu perfil no Linkedin, apresenta competências em gestão de unidades de saúde; contratualização de serviços de saúde; acreditação de unidades de saúde; liderança de equipas; planeamento estratégico; formador em gestão, contratualização e avaliação de unidades saúde.

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