Diário do Alentejo

“O simples facto de haver um Plano Ferroviário Nacional já é bom”

26 de novembro 2022 - 09:00
Estudo abre possibilidade de ligação direta entre Évora, Beja e Faro em futura linha de alta velocidade
Fotos | Ricardo ZambujoFotos | Ricardo Zambujo

Por enquanto não passa de uma “proposta”, mas, segundo o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, o Plano Ferroviário Nacional (PFN), apresentado na quinta-feira, 17 de novembro, em Lisboa, é o “instrumento de planeamento que perdurará” para além dos ciclos políticos.

 

No que diz respeito ao Baixo Alentejo, o PFN pouco ou nada adianta em relação ao que o “Diário do Alentejo” noticiou em outubro: a eletrificação da linha do Alentejo estará concluída entre 2025/30. Só depois disso haverá condições para ligações diretas entre Beja e Lisboa.

 

Tudo o resto – ligação ao Sul e à Funcheira – ou está em planeamento ou em estudo. Manuel Tão, especialista em transportes, aplaude a apresentação do PFN, mas aponta a falha de um cronograma e de um plano diretor financeiro.

 

 

Texto Aníbal Fernandes 

 

O Plano Ferroviário Nacional, apresentado no passado dia 17, pelo primeiro-ministro, António Costa, e pelo ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, propõe servir com alta velocidade as dez maiores cidades do País e com comboio convencional os 28 centros urbanos regionais mais importantes, incluindo as capitais de distrito, mas Beja pode, num futuro mais ou menos distante, não ficar a ver passar os comboios rápidos.

 

O diagnóstico que precedeu a apresentação do plano, prevê que Portugal, até 2050, venha a perder um milhão de habitantes, apontando-se as regiões Centro, Norte e Alentejo como as zonas de mais baixa densidade. Apesar da quebra demográfica, o objetivo do PFN é o de transferir 50 por cento do tráfego rodoviário de passageiros e mercadorias em percursos acima dos 300 quilómetros para a ferrovia.

 

Isto significa passar de 4,6 por cento de quota modal de passageiros para 20 por cento e de 13 para 40 por cento no que diz respeito às mercadorias. Objetivo sem prazo delineado, mas com 2050 “como horizonte indicativo”, incluindo a ligação “a todos os aeroportos”, sem especificar quais.

 

Neste momento, a Rede Ferroviária Nacional apresenta quatro estágios de desenvolvimento: redes em construção; redes em projeto; rede em planeamento; e rede em estudo. No que diz respeito, por exemplo, à eletrificação do troço da linha do Alentejo entre Beja e Casa Branca - bem como a instalação do sistema de controlo de comboios - a proposta aponta o ano de 2030 como limite para a sua conclusão.

 

Já a retoma da ligação de Beja a Funcheira está prevista para a janela temporal até 2050. O PFN refere que a reabertura deste troço “cria um corredor alternativo de acesso a Sines” e que ficará preparado para “comboios de, pelo menos, 600 metros”. É ainda referida a conclusão da eletrificação do ramal de Neves Corvo.

 

No serviço de alta velocidade prevê-se que, em 2030, Évora e Elvas possam beneficiar dessa melhoria, mas “com serviço limitado a três ou menos comboios por dia”, o mesmo acontecendo na linha do Sul na ligação ao Algarve. No entanto, num de dois estudos para 2050, aparece a ligação de Beja, para Norte, a Évora e daí a Lisboa e Madrid; e para Sul, a Faro, Huelva e Sevilha, passando por Castro Verde, Almodôvar e Loulé. A ligação de Lisboa a Faro – com passagem por Beja – seria, deste modo, inferior a duas horas, mas implicaria, em parte, a construção de uma nova linha. Para que isto tudo se concretize é ainda necessária a terceira travessia do Tejo.

 

O serviço interurbano de passageiros no Baixo Alentejo, que agora liga Beja a Casa Branca (com transbordo para Lisboa e Évora) e passa por Cuba, Alvito, Vila Nova da Baronia e Alcáçovas, segundo uma das alternativas (o Cenário A) para 2050 e que se encontra em estudo mantém-se igual, apenas acrescentando a ligação à Funcheira; já o cenário B acrescenta ao modelo atual Castro Verde e Almodôvar e a ligação ao Algarve.

 

Multimédia0

 

 

“PAIXÃO PLATÓNICA”

O primeiro-ministro, presente na apresentação do PFN, disse que a discussão deste tema consegue ser “uma paixão tão platónica que se aguardam décadas para a execução”.

 

Para António Costa este passo significa “o relançamento da ferrovia como o grande esforço de investimento estrutural” para Portugal, e garantiu que “não é um documento fechado”, estando agora disponível para discussão pública e, depois, um debate no Parlamento em busca de um grande consenso nacional sobre a matéria.

 

Pedro Nuno Santos acredita que o PFN vai “colocar no centro do debate nacional a importância da ferrovia”, a melhor solução para combater a crise climática já que “a ferrovia resolve vários problemas que a transição do automóvel a combustão para o automóvel eléctrico não resolve: como a falta de espaço e as horas perdidas no trânsito”.

 

80 ANOS SEM PLANO

Manuel Tão, professor na Universidade do Algarve, disse ao “Diário do Alentejo” que “o simples facto de [o PFN] ter aparecido já é bom”, referindo que há cerca de oito décadas que o País não dispunha de um instrumento deste género.

 

No entanto, levanta algumas questões a começar pela ausência de “um cronograma” para a execução das obras e o respetivo “plano diretor financeiro que estipulasse o investimento ao longo das décadas. “Não é possível saber quais os fundos europeus disponíveis em 2040”, assinala.

 

Este estudioso das políticas de transporte aponta para a urgência da ligação da linha do Alentejo a Ourique (Funcheira) considerando que o baixo investimento necessário (cerca de 80 milhões de euros) pode ser “suportado pelos fundo regionais” e é de fácil execução técnica, “menos complexa do que a linha da Beira Baixa” que se encontra em obra.

 

Para Manuel Tão, esta ligação abriria várias possibilidades, desde logo na duplicação da ligação a Lisboa – pela Funcheira e por Casa Branca – e, “com a eliminação das passagens de nível, os comboios poderiam atingir, facilmente, os 200 km/hora”.

 

Quanto à alta velocidade para Sul, o professor universitário diz que, perante os dois cenários apresentados (recuperação da linha do sul e construção de uma nova linha paralela de Beja para o Algarve) “não é difícil chegar à conclusão que a hipótese mais realista aponta para a remodelação e modernização da linha já existente”.

 

Já no que diz respeito à ligação a Espanha, Manuel Tão, referindo-se à última cimeira ibérica realizada em Viana do Castelo, diz ter ficado com a ideia que o país vizinho “não está interessado em qualquer ligação a Portugal”, e exemplifica com a recusa do Governo Central Espanhol em facilitar a ligação ferroviária das regiões autónomas da Extremadura, Andaluzia e Galiza ao Atlântico “por razões de política interna”.

 

Bruno Ferreira, membro do Movimento Beja Merece +, mostra-se desiludido com o andar da carruagem. “Há um claro boicote por parte do poder político ao Baixo Alentejo”, acusa.

 

“O nosso movimento reuniu com o anterior ministro do Planeamento, Nélson de Sousa, e daí saiu a inclusão da linha do Alentejo no Plano Nacional de Obras Públicas (PNOP). Depois de várias petições no sentido de resolver o problema terem sido aprovadas no Parlamento nada aconteceu. Já ultrapassámos o nível do anedotário e entrámos no absurdo”, lamenta o humorista bejense.

 

Multimédia1

 

 

AUTARCAS DE BEJA E ÉVORA APOSTAM EM NOVA LINHA DE ALTA VELOCIDADE

O presidente da Câmara de Beja, Paulo Arsénio (PS), defende como “mais lógica” a construção de uma nova linha ferroviária de alta velocidade entre Lisboa e o Algarve que passe pelo interior do Alentejo. “Dentro das duas possibilidades que o Plano Ferroviário Nacional (PFN) coloca para fazer esta ligação [entre Lisboa e o Algarve em alta velocidade], esta é que tem mais lógica e a que é mais rápida”, disse o autarca alentejano.

 

O plano prevê um estudo sobre a ligação de alta velocidade entre Lisboa e o Algarve, com duas alternativas: a modernização da linha existente para reduzir a viagem em cerca de 30 minutos ou um novo eixo, que inclua Évora, Beja e Faro, com tempo de viagem entre Lisboa e o Algarve inferior a duas horas.

 

“Parece-nos que esta opção [mais pelo interior e com passagem por Beja] é aquela que faz mais sentido”, pois “toca todas estas cidades, colocando-as a curta distância umas das outras, com a possibilidade de podermos ter ligações a Espanha”, observou Paulo Arsénio.

 

Na opinião do autarca bejense, esse corredor ferroviário de alta velocidade seria “benéfico para a economia” regional, “turismo incluído”, e “eventualmente para o Aeroporto de Beja”, além de permitir “uma ligação a território espanhol”.

 

No PFN (ler texto principal) consta igualmente a eletrificação do troço da Linha do Alentejo entre Casa Branca e Beja até 2030, projeto que o presidente da câmara municipal disse ser “o mais urgente e mais fundamental para o território nesta fase” e que espera ver concluído em 2028.

 

Também o presidente da Câmara Municipal de Évora, Carlos Pinto de Sá (CDU), em declarações à “Lusa” na segunda-feira, defendeu a criação de um novo eixo ferroviário de alta velocidade que ligue Lisboa ao Algarve, com passagem “pelas três maiores cidades do Sul”, Évora, Beja e Faro e que teria “a vantagem de, para além de outras, deslocar um eixo de mobilidade para o interior do país”.

 

“Temos todo o interesse com essa ligação e ficamos satisfeitos” com o anúncio do Governo sobre a realização de estudos nesse sentido. Pinto de Sá referiu que a concretização dos dois projetos para a ligação ferroviária de alta velocidade entre Lisboa e o Algarve permitiria ao País ficar “com duas alternativas” e com “produtos diferentes para os utentes”.

Comentários