Diário do Alentejo

"A guerra é uma tormenta negra pisando as vidas”

31 de março 2022 - 11:00

Jorge Castanho tem 60 anos é natural de Beja, mas atualmente vive em Lisboa. É doutorado pela Universidade de Sevilha e professor. Durante a década de 1990 foi diretor artístico de diversos projetos de arte contemporânea, em Beja, e bolseiro do Ministério da Cultura de Portugal e da Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

Apresentou há duas semanas, na Biblioteca Municipal de Beja o seu mais recente livro intitulado “Estátuas Tenras”.

 

Texto José Serrano

 

Quais os pontos de contacto dos 70 textos que constituem esta obra?

Os pontos de contacto são a origem das histórias – o território condimentado de uma cozinha, onde as escrevi, o Facebook, onde as publiquei pela primeira vez, e a vida, que as partilha. A relação entre os textos fez-se, ou faz-se, por simbiose, por quem os lia e comentava, do outro lado do monitor. No formato de livro os textos são autónomos, como irmãos dentro de uma casa, são uns para os outros e estão amparados como um naipe de cartas.

 

Tendo a apresentação desta livro contado com a presença do poeta Martinho Marques, indicia este facto a necessidade da sua obra continuar a trilhar caminhos poéticos?

Tenho com o Martinho Marques entendimentos com 40 anos, desde o jornal “O Cardo”, da memorável Associação dos Novos Escritores do Sul, que em 1980 estava em atividade, em Beja. Nada sei sobre poemas, mas o que me reconforta na poesia aprendi-o nesta cidade, quando aqui havia boas livrarias e os meus amigos eram todos poetas. A partir dos anos do liceu, transportei a poesia para os lugares onde vivi e aprendi com ela a estar tranquilo, em qualquer parte.

 

Alguns dos textos deste livro situam-se no Alentejo. É-lhe inspirador ou reconfortante este inevitável regresso à “terra”?

É sempre com muita sensibilidade que piso este chão. Pertenço aos da diáspora, aos que sonharam regressar na próxima oportunidade. Mas as décadas passaram, uma a seguir à outra, sem que o sonhado retorno se confirmasse. Nunca me desfiz do ateliê, esteve pronto para o regresso, para o dia seguinte, um dia que ainda não chegou. As raízes estão nas vivências, as minhas estão no Alentejo, em Lisboa e no sul de Espanha. Somos o que vivemos, desde cedo aprendi a sentir os lugares e a, precisando de pouco, sentir-me sempre em casa – e Beja é uma boa casa.

 

Na perspetiva de quem assiste a uma guerra sanguinária, na Europa, em pleno século XXI, considera que a arte, elemento diferenciador da espécie humana, está a perder terreno para a insanidade da barbárie?

A guerra é uma tormenta negra de patas cegas pisando as vidas e os sonhos, nunca sabemos o que dela sobra. Mas a civilização está assente em desequilíbrios de sangue, volta e meia a tragédia apresenta-se como uma inevitabilidade. A besta está dentro de cada um, por vezes solta-se e, quando cresce num coletivo, é cruel e hedionda. Previa-se uma guerra no ocidente, porque a comunicação estava vazia, surda, entupida, cheia de ruído e de banalidade, numa extensão transversal e intensa. Quando o Homem estava só e confuso a máquina dos interesses obscuros avançou sem freios e estalou a barbárie. Infelizmente leva tempo para se entender o essencial – enterrar as armas e regressar aos tabuleiros de xadrez, para que a tempo alguém saia daqui vivo. A arte está muito capturada pelo espetáculo e por interesses espúrios, só a poesia nos protege.

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