Diário do Alentejo

“Deus é cada um de nós, somos todos”

24 de março 2022 - 11:40

João de Carvalho tem 24 anos e é natural de Beja. Durante a sua formação escolar, frequentou a Escola Secundária Diogo de Gouveia e o Instituto Politécnico de Beja, na Escola Superior de Educação. Demonstrou, desde cedo, o gosto pelas palavras e, sobretudo, pela expressão escrita, tendo sido durante o ensino secundário que tal interesse se manifestou, de forma mais acentuada.

Apresentou no início do mês, a 03 de março, na Biblioteca Municipal de Beja, o seu livro “A Maré Violeta”, um romance ficcional cuja personagem principal é a Morte.

 

Texto José Serrano

 

Como nos apresenta esta sua obra literária?

Trata-se de um romance curto, que pode ser interpretado como um seguimento de “As Intermitências da Morte”, revelando-se, apesar disso, como uma obra independente, não sendo necessário ler a obra de José Saramago para se conseguir interpretar a minha. Neste livro há uma humanização da morte, que deixa o seu posto habitual e desce à terra, acabando por se apaixonar por um violoncelista, vivenciando e experimentando sensações humanas que lhe eram desconhecidas. O meu pessimismo está bem presente na obra, assim como as minhas principais referências literárias – Camus, Bukowski, Clarice Lispector, o próprio Saramago, e muitos mais.

 

O que pode desvendar acerca da convivência que, ao longo do processo de elaboração deste livro, manteve com a Morte, personagem principal da história?

Há algum tempo que desejava escrever um livro, e este surge do nada. Nunca tive temáticas para romances, até que, depois de ver uma entrevista de José Saramago, essa ideia surge. E o interessante é o facto de ser sobre a morte, o maior enigma que o ser humano enfrenta – para no fim lhe sucumbir. É uma convivência bastante dura e, nesta minha primeira obra, faço questão de colocar a morte à prova, dando-lhe sofrimento digno de um humano. Há dores que são minhas, e eu permito que a personagem da Morte as sinta.

 

Considera que a dualidade existente na forma como se olha para a morte alheia, complacente ou irrelevante, nos define e divide como espécie?

Nós vivemos como se a nossa própria morte nos fosse desconhecida, como se não soubéssemos que vamos morrer, mas é curioso que temos plena consciência de que os outros vão morrer. Era ter plena consciência da nossa própria fragilidade e da nossa própria morte e isso dar-nos-ia o medo suficiente para nos unirmos e assim alcançar a paz desejada no mundo. Sem dúvida que a morte nos define, mas não quero acreditar que nos divida.

 

Que reflexão gostaria que este livro pudesse despertar, aos seus leitores?

Gostaria de enaltecer a crítica que faço à religião. A última frase do livro diz “Deus é cada um de nós, somos todos”. É uma frase vaga, mas com um significado muito concreto – cada um de nós é que tem o poder semelhante ao que projetamos a Deus. Bastava que cada um de nós pudesse agir como desejaria para que os milagres de Deus se abatessem sobre a terra. Deus não existe, mas nós existimos. D(eu)s é mesmo cada um de nós – se cada um soubesse que tem esse poder bastaria para que a raça humana, no coletivo, prosperasse neste universo. É uma ideia utópica, também tenho noção disso.

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