“Março, marçagão, manhã de inverno, tardes de verão”. Apesar de a chuva já ter caído em algumas regiões do País, as previsões do Instituto Português do Mar e Atmosfera (IPMA) para o distrito de Beja não são animadoras. Até ao passado dia 18 estavam previstos alguns aguaceiros, contudo estes continuaram a ser muito pouco para as necessidades.
No Parlamento a comissão permanente reuniu-se com a ministra da Agricultura e o ministro do Ambiente. Foram anunciadas algumas medidas, mas como o “DA” tinha anunciado, as mais importantes vão ter de esperar pelo novo Governo e pela autorização de Bruxelas.
Texto Aníbal Fernandes*
A ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, anunciou na quinta-feira, dia 3, na comissão permanente da Assembleia da República, que na véspera tinha sido assinado “o despacho em que se reconhece a existência de uma situação de seca severa e extrema, o qual permitirá operacionalizar medidas mitigadoras do efeito da seca e acionar um conjunto de derrogações aos compromissos assumidos pelos agricultores, no âmbito das ajudas diretas e de superfície, do desenvolvimento rural”.
Segundo uma nota publicada no site do ministério, apenas três – Monte da Rocha, Bravura e Campilhas – das 44 albufeiras hidroagrícolas apresentam uma situação “crítica”, sendo que as restantes têm a campanha de rega assegurada. As barragens de Vigia, Odivelas, Roxo e Fonte Serne, devido à ligação a Alqueva, não estão em situação de risco.
O Governo anunciou ainda, que “a par do reforço do regadio público coletivo”, lançou também apoios direcionados à construção de charcas privadas, para além de ter previstos investimentos no valor de 750 milhões de euros no âmbito do Programa Nacional de Investimentos 2030.
Maria do Céu Antunes sublinhou que “para termos uma atividade agrícola rentável, que viabilize a gestão ativa do território e impeça a desertificação física e humana, precisamos de água. Para isso, temos de continuar a investir no regadio coletivo eficiente, aumentando a capacidade de armazenamento e aplicando, cada vez mais, conhecimento e tecnologia de precisão na gestão e utilização deste recurso”.
Como antecipámos recentemente no “Diário do Alentejo”, Portugal, em conjunto com a Espanha, apresentou à Comissão Europeia uma série de medidas de apoio aos agricultores ibéricos, nomeadamente “o reforço da percentagem de adiantamento dos pagamentos a realizar em outubro, no âmbito das ajudas diretas e das medidas de superfície do desenvolvimento rural”, e uma nova medida “temporária e excecional”, que permita recorrer a fundos do desenvolvimento rural, “para apoio ao rendimento dos agricultores e produtores pecuários afetados”.
Na mesma sessão, intervieram os deputados eleitos por Beja, João Dias, do PCP (ver última edição) e Pedro do Carmo, do PS.
O deputado socialista, presidente da comissão parlamentar da Agricultura e Mar na última sessão legislativa, considerou o momento que vivemos “difícil” e lembrou que nas últimas décadas os períodos de seca tornaram-se uma constante, “mais frequentes, mais intensos e de maior longevidade”.
“As alterações climáticas estão-se a fazer sentir e a ter consequência o agravamento da seca e da desertificação”, referiu Pedro do Carmo acrescentando que dos dez anos mais quentes sete ocorreram durante os anos 90, e que no que diz respeito à precipitação, cinco dos mais secos foram depois de 2000.
Como medidas para minimizar os efeitos da seca defendeu que se deve “reconhecer os bons exemplos”, para “fazer frente à desertificação e permitir uma agricultura altamente produtiva”, referindo-se, concretamente a Alqueva. “20 anos depois podemos afirmar que Alqueva transformou a região Alentejo e evitou uma maior desertificação”, disse o deputado do PS, concluindo que “devemos replicar este modelo em outras regiões do país concretizando assim o Plano Nacional de Regadios.
“A pouca água que chove não pode ser desperdiçada e só existe uma forma de a aproveitar que é retê-la em charcas e barragens”. Numa crítica clara aos ambientalistas, Pedro do Carmo defendeu que “a agricultura é alimentação, é sustentabilidade, é vida, é ecologia, é fixação de pessoas no território e tem “sabido evoluir no uso eficiente da água”.
Referindo-se ao presente, admitiu que as culturas de inverno “estão perdidas” e que “não há pastagem para alimentar os animais”, e num contexto que já era de crise e aumento de preço dos fatores de produção veio agora juntar-se a guerra, lamentou.
DISTRIBUIDORES CRITICAM FALTA DE ESTRATÉGIA
Rui Godinho, presidente do Conselho Diretivo da Associação Portuguesa dos Distribuidores de Água (APDA) considera que o tema da água não teve o devido tratamento e importância para ser colocado no topo da agenda política.
Em declarações à agência Lusa, disse que o assunto “é um dos problemas mais sérios e sensíveis com que nos vamos defrontar nos próximos anos. É absolutamente central essa discussão. As medidas avulsas e/ou pontuais são sempre precárias e despidas de qualquer efeito sustentável dada a criticidade a que chegámos”, sublinhou.
No entendimento de Rui Godinho, houve uma “falência das políticas públicas e falta de continuidade das políticas públicas certas e adequadas para combater a carência e escassez de água”. “É muito comum em Portugal. Define-se uma estratégia, criam-se instrumentos, essenciais para implementar a estratégia, e quando se deve passar à prática por razões mais diversas interrompem-se e os trabalhos que vêm de trás já não interessam. Vêm outros que têm poder político e institucional e dão prioridade a outras coisas”, disse.
Segundo Rui Godinho, “tem de se atacar” o problema com medidas específicas consoante a região do país e na aplicação de um programa nacional de uso eficiente de água, com um programa estratégico que responsabilize todos, incluindo consumidores urbanos, agrícolas e industriais.
O presidente da APDA lembra que os cenários anunciados sobre os efeitos das alterações climáticas na área do sul da Europa evidenciam que Portugal é um dos países mais afetados.
Ainda no que diz respeito aos consumos urbanos e perdas de água, Rui Godinho destacou a existência de uma percentagem largamente maioritária de entidades gestoras com menos de 10 mil clientes. “Uma entidade gestora com 10 mil clientes não é sustentável e, por isso, esta situação tem que ser corrigida através de medidas de agregação de pequenas entidades noutras de maior dimensão, de forma a serem geridas de forma sustentável”, disse.
Para a APDA, uma unidade gestora para poder ter políticas sustentáveis também no combate às perdas deverá ter pelo menos 70 a 80 mil clientes, precisando para isso de agregação. “Agregar implica vontade política dos municípios, porque isto são entidades municipais, em se entenderem para construírem sistemas intermunicipais que tenham esta dimensão e possam ser geridos”, concluiu.
“POUPAR HOJE PARA TER AMANHÔ
Este é o mote da campanha que a Câmara Municipal de Mértola lançou e que pretende alertar os munícipes para a necessidade de terem “muito cuidado no consumo da água”, explicou Mário Tomé, presidente da autarquia. “A água para consumo humano não falta na torneira a ninguém” em Mértola, “mas pode vir a faltar”, alertou o autarca que disse ser “preciso perceber antecipadamente o quão importante é tomar atitudes e, como em muita coisa na vida, a atitude individual de cada um é determinante para que as coisas funcionem coletivamente”. A campanha faz apelo à “reutilização da água que se utiliza na lavagem de alimentos, ao conserto de fugas na canalização, ao não desperdício de água durante a rega ou à utilização de um balde na limpeza de quintais”. Tomar duches rápidos, lavar os dentes e as mãos com a torneira fechada, fazer a barba sem deixar a água a correr, utilizar a água de aquários para regar plantas ou só utilizar a máquina de lavar roupa com carga máxima são outros dos conselhos. Dando o exemplo, a autarquia reduziu significativamente a rega das áreas verdes e nos espaços públicos alertaram os funcionários para a necessidade de redução na utilização de água.
*Com Lusa