Diário do Alentejo

2021 com "o melhor resultado" reprodutivo de abutres-preto

23 de fevereiro 2022 - 12:00
Foto | Pedro Moreira / Herdade da ContendaFoto | Pedro Moreira / Herdade da Contenda

A Herdade da Contenda, no concelho de Moura, tem uma das principais colónias portuguesas do abutre-preto, estimada em 10 casais reprodutores. No ano passado nasceram sete novas crias, “um resultado muito acima da média do que é normal para a espécie” e para o qual contribui, “decisivamente, a gestão desenvolvida na herdade”, diz Pedro Rocha, administrador executivo da Herdade da Contenda, EM.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

A população de abutre-preto alcançou em 2021 “os melhores resultados reprodutivos” desde que a espécie se instalou, em 2015, na Herdade da Contenda, no concelho de Moura. De 10 casais nidificantes foram quantificadas sete crias voadoras.

 

Segundo Pedro Rocha, administrador executivo da herdade propriedade da Câmara Municipal de Moura, “tudo o que fosse mais de quatro crias em 10 casais seria bom”, por isso, sete “é um resultado muito acima da média do que é normal” para esta espécie de ave necrófaga.

 

“O abutre-preto é uma espécie que só tem uma cria por ano, que se reproduz muito pouco e muitas vezes não se reproduz todos os anos. Apesar de os casais estarem fixos num determinado sítio, por vezes têm anos de paragem. E depois, em todo o processo, desde a construção do ninho, a postura, o nascimento da cria até que voe, há muitos fatores limitativos, portanto, ter sete crias em 10 casais é, de facto, uma produtividade muito alta”, adianta o responsável em declarações ao “Diário do Alentejo”.

 

O abutre-preto (‘aegypius monachus’), a maior ave de rapina da Europa, “é uma espécie globalmente ameaçada” e está incluída na “categoria CR (criticamente em perigo)” de acordo com o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, sublinha o administrador executivo.

 

Para além de ter sido “o melhor ano de reprodução” na Herdade da Contenda, a nível nacional “também foi a colónia que apresentou melhores resultados de produtividade pelo número de casais existentes”, frisa Pedro Rocha, uma vez que a principal colónia em número, na região do Tejo Internacional, “com muito mais casais produziu pouco mais” do que a da Contenda.Para além destas duas colónias, existem ainda, em território nacional, “um pequeno núcleo no Douro Internacional e na serra da Malcata”.

 

CONTENDA GARANTE “CONDIÇÕES NECESSÁRIAS PARA A NIDIFICAÇÃO”

Pedro Rocha considera, assim, que o resultado reprodutivo de 2021 é “motivo de orgulho” e que mostra que “se está no bom caminho” para assegurar “as condições necessárias” para que a colónia de abutres-pretos existente na herdade “aumente”.

 

“A gestão desenvolvida na Herdade da Contenda contribui decisivamente para o sucesso reprodutor da espécie, uma vez que são garantidas as condições necessárias para a sua nidificação”, afirma. Condições que passam “pela disponibilização de plataformas de nidificação, condições de tranquilidade e disponibilidade de alimento em períodos críticos”.

 

Quatro das crias (dois machos e duas fêmeas) foram anilhadas e marcadas com emissor GPS/GSM, disponibilizados por uma fundação internacional, a Vulture Conservation Foundation, permitindo, assim, conhecer em pormenor os seus movimentos. “Sabemos a nível diário por onde é que andam estas crias e que movimentos é que fazem e isso permite-nos também identificar fatores limitativos ou problemas associados à mortalidade, por exemplo, linhas elétricas que sejam problemáticas, porque os abutres-pretos morrem com muita frequência eletrocutados. Indica-nos também pontos de alimentação importantes, ficamos também com uma ideia transfronteiriça do trabalho conjunto que temos vindo a fazer, porque os abutres andam entre Portugal e Espanha, em várias zonas”, esclarece.

 

Segundo o responsável, as duas crias fêmeas – que receberam os nomes de Tomina e Esteva, dois nomes associados à toponímia local sugeridos através de uma votação online promovida em 2020 –, depois de “uma fase exploratória” que as levaram a zonas a mais de 300 quilómetros da herdade, já foram avistadas na Contenda, “o que quer dizer que gostam do sítio onde nasceram”. Pedro Rocha frisa que “é possível que daqui a um, dois, três anos” possam “também nidificar” na herdade.

 

Para a época reprodutora que se avizinha, o administrador executivo diz que a expetativa é que o número de casais a nidificar venha a aumentar, dado que a Contenda “tem muitos ninhos disponíveis”, assim “como várias plataformas artificiais de nidificação em sítios muito bons”. “Fizemos plataformas e também recuperámos alguns ninhos, recorrendo a um apoio do Fundo Ambiental para o efeito. Seria muito bom que ultrapassássemos os 10 casais reprodutores. Neste momento já temos casais a reforçar os ninhos, mas, provavelmente, só no final do mês é que iremos fazer uma verificação para saber quantos são”.

 

Em geral, a postura ocorre nos primeiros dias de março e a nascimento das crias em abril.

 

A escassez de alimento devido, em parte, a medidas sanitárias que obrigam a recolher todos os cadáveres de gado; a ingestão de animais mortos por envenenamento; a já mencionada eletrocussão em linhas elétricas aéreas; e as alterações climáticas, “com picos de calor e tempestades que ocorrem de forma inesperada, como a tempestade Bárbara em outubro de 2020, que deitou abaixo imensos ninhos”, são, nas palavras de Pedro Rocha, algumas das principais ameaças à sobrevivência das populações de abutre-preto.

 

A Herdade da Contenda contou, à semelhança dos anos anteriores, com a colaboração da Liga para a Proteção da Natureza (LPN), que “coordenou a monitorização da população nidificantes”.

 

A concluir, o administrador executivo sublinha que se pretende que “a herdade, os abutres e outros valores” sejam vistos, cada vez mais, como “símbolos identitários” do concelho de Moura, que “a população se identifique com o trabalho que tem vindo a ser feito” na Contenda e que se continue a apostar em atividades turísticas sustentáveis, nomeadamente, “visitas à herdade para conhecer o trabalho desenvolvido”.

 

AVE NECRÓFAGA “É UM SÍMBOLO” PARA A CONTENDA

O abutre-preto “é um símbolo” para a Contenda, diz Pedro Rocha, adiantando que foi na herdade do concelho de Moura “que foram desenvolvidas as primeiras iniciativas para a sua proteção em Portugal, na década de 80 do século XX, quando os Serviços Florestais e o CEAI (Centro de Estudos da Avifauna Ibérica, organização não governamental de ambiente que tinha sede no Alentejo) vedaram uma área de cerca de cinco hectares, localizada nas imediações do Pico da Águia, onde era depositado alimento para as aves necrófagas”. Na ocasião foram também construídas algumas plataformas de nidificação. A águia-imperial é também uma das espécies presentes, diz o administrador executivo, “utilizando a Herdade da Contenda para alimentação e repouso”, sendo “presença frequente no campo de alimentação de abutres”.

 

O abutre-preto deixou de nidificar em Portugal no início da década de 1970. Só quatro décadas depois, em 2010, a espécie regressou como reprodutora ao País, nas regiões do Tejo Internacional e do Douro Internacional, e, desde 2015, no Baixo Alentejo.

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