Diário do Alentejo

Porco alentejano afetado pelos custos das matérias-primas e seca

23 de fevereiro 2022 - 10:10

O setor da criação de porco alentejano vive dias de sentimentos contraditórios. Se os efeitos da pandemia começam a ser deixados para trás, a falta de água e o custo das matérias-primas estão a prejudicar a produção e rentabilidade dos animais em montanheira. Os produtores já falam em redução de efetivos para a próxima campanha.

 

Texto Marco Monteiro Cândido

 

Debaixo das ramagens de sobreiros e azinheiras, os dias são passados de forma tranquila. Por estes dias invernais, que mais parecem de primavera antecipada, tais são os dias de sol e a falta de água um pouco por todo o país e, principalmente, a sul, o montado é calcorreado de ponta a ponta pelo porco alentejano. Em busca dos frutos do montado de sobro e azinho, as bolotas e a lande, em conjugação com as ervas do pasto, o porco alentejano vive, por agora, um momento crucial no seu processo de engorda. Este cenário repete-se um pouco por todo o Baixo Alentejo, até meio do mês de fevereiro, sendo esta, por excelência, a época que faz toda a diferença naquela que é a qualidade da carne de porco alentejano: a montanheira. É por esta altura que, numa simbiose perfeita entre a genética do porco alentejano, as bolotas e o calcorrear constante dos animais pelo montado, se irá formar a sua carne distintiva, marmoreada, com o aparecimento da gordura intramuscular, fruto da conjugação daqueles fatores.

 

Neste momento, apesar de, “em termos de mercado dos porcos alentejanos de bolota, os preços terem voltado para níveis pré-covid”, o setor continua com muitas dificuldades, conforme sublinha o presidente da Associação de Criadores de Porco Alentejano (Acpa), Nuno Faustino. “O handicap grande foi o aumento de custos a nível de matérias-primas, como os combustíveis e as rações, não tanto nesta fase da montanheira, mas mais à frente, na fase da recria”.

 

As preocupações são distintas e a dois níveis. Por um lado, tendo em conta o aumento das matérias-primas associadas à criação de porco alentejano, os custos de criação dos animais na próxima campanha preveem-se muito altos. “Isto traz muita preocupação sobre o futuro, do que será a próxima campanha. Os animais da próxima campanha terão um custo muito mais elevado do que os atuais”. Para Nuno Faustino, é, fundamentalmente, na alimentação futura dos animais que reside o ponto sensível, com um aumento na ordem dos 30 por cento. “E, se calhar, estou a ser simpático, porque pode passar dos 30. Não se sabe se esta escalada do preço das rações vai parar ou aumentar. Estamos muito receosos face ao futuro, ao que aí vem”.

 

Para além do aumento dos fatores de produção do porco alentejano, também a montanheira tem deixado a desejar. Aquela que é uma época que serve para aprimorar o porco alentejano, engordando-o num regime extensivo, com uma alimentação à base de erva, bolota ou lande, tem sido afetada pela falta de água. Apesar de, neste momento, os montados estarem repletos de bolotas, o cenário não é animador. Os animais, contra as expectativas, não engordam. “Para agravar a situação, a montanheira tem estado a correr menos bem. Apesar de haver, surpreendentemente, muita bolota, o tempo seco e a falta de água no campo prejudicaram muito a engorda, ao contrário do que seria expectável”. Com a engorda a ser insuficiente, levando mais tempo, os animais não comem o que deveriam num ano normal, com níveis de água e erva regulares.

 

Neste momento, os criadores de porco alentejano debatem-se com sentimentos contraditórios: se, por um lado, os preços estão a voltar ao que eram no passado pré-covid, por outro, e na prática, os porcos não engordam o que deveriam. “A atividade está em grande pressão. O ânimo dos criadores não é dos melhores. Há uma grande preocupação com o futuro e já sentimos uma grande redução por parte dos criadores”. As previsões de Nuno Faustino não são animadoras. “Este ano temos na montanheira cerca de cinco mil animais. Para o ano, devido à contração, poderá andar à volta dos quatro mil. Ou menos. As incertezas são tantas que não sabemos. As pessoas podem vender os animais para se desfazerem do risco”.

 

A chuva inexistente e a falta de água têm dominado os dias e as conversas dos criadores de porco alentejano. Até porque este problema é transversal a toda e qualquer atividade agrícola. “Por um lado, temos a falta de chuva, porque não há reservas de água para abeberamento animal, nem para regas. Por outro lado, não temos pastagens para a pecuária extensiva, porque não choveu. Estão curtinhas. É um cenário de grande preocupação”.

 

Para o presidente da Acpa, e de uma forma geral, a produção animal extensiva está a viver um ano muito complicado. “Vamos ter problemas sérios no abeberamento animal este verão. Aliás, já nesta primavera, com falta de água. A situação está muito, muito complicada e os agricultores estão muito receosos. Os agricultores da pecuária extensiva estão sempre na linha da frente, a levar com os problemas todos e a sentir na pele, no imediato, todos os efeitos”.

 

Indiferente aos problemas dos preços das matérias-primas, da falta de água ou da engorda insuficiente, o porco alentejano vai continuando a calcorrear os montados. Apenas aproveitando a qualidade de vida animal de quem é criado em regime extensivo. Ao contrário dos criadores, que, segundo Nuno Faustino, já pensam em reduzir a produção de porco alentejano na próxima montanheira, fruto das nuvens, não de chuva, mas de incerteza que surgem no horizonte.

 

COMISSÃO DE ACOMPANHAMENTO DA SECA JÁ REUNIU

As previsões do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (Ipma) para 2022 vêm confirmar o que se tem sentido nos últimos meses e cuja tendência se tem acentuado nos últimos anos, de forma genérica no país e com maior incidência no sul: há 80 por cento de probabilidade de este ser um ano seco. A conferência de imprensa conjunta que os ministros da Agricultura, Maria do Céu Antunes, e do Ambiente e Ação Climática, João Matos Fernandes, deram no passado dia 1 de fevereiro, após reunião de urgência da Comissão Permanente da Seca, culminou numa série de medidas para minimizar o impacto que a falta de água e os baixos níveis de armazenamento da mesma têm causado.

 

Nesta fase, não foram tomadas quaisquer medidas direcionadas à população, mas sim, às barragens, com especial incidência naquelas que se situam na zona centro e norte do país, nomeadamente a suspensão de produção de eletricidade. Na zona sul, o destaque vai para a barragem algarvia da Bravura, normalmente utilizada para fins agrícolas. Durante o mês de fevereiro vai deixar de ter esse fim, com vista a armazenar água para abastecimento das populações da região. Apesar das medidas e do acompanhamento da situação, João Matos Fernandes sublinhou que, mesmo que não chova, há água, para consumo, para dois anos”. Em simultâneo, Maria do Céu Antunes afirmou que já foram encetados contactos com a Comissão Europeia para haver “um reforço e simplificação dos adiantamentos” para os agricultores nacionais fazerem face à situação. Na região do Baixo Alentejo, as barragens do Guadiana estão acima da média de armazenamento, com as bacias do Sado e do Mira a apresentarem situações mais preocupantes. A comissão volta a reunir no início de março para reavaliar a situação.

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