Diário do Alentejo

“Temos de defender a democracia”

24 de dezembro 2021 - 12:00

O escritor de 77 anos, Sérgio Palma Brito apresentou recentemente o seu livro "Memórias de um Desertor", em Aljustrel sua terra natal, com a presença de João Soares e Luís Afonso.

 

Texto José Serrano

 

Que situação lhe regressou à memória com mais intensidade, ao escrever este livro?

Há duas situações com raiz comum. No verão/outono de 1964, camaradas meus denunciam-me à PIDE. Não sou preso na grande “leva” de janeiro de 1965, mas durante dois meses fico na incerteza de vir a ser. Vou para a cama com a angústia de ser preso de madrugada. Em abril de 1965, um desconhecido diz-me que vou para Penamacor, em maio. Primeiro, uma sensação de alívio por já não ser preso e torturado. De repente, a deserção deixa de ser cenário longínquo para ser realidade, a curto prazo. Passarei o Natal em Bruxelas ou preso no Forte de Elvas, durante cinco a sete anos, com a tortura da barrilada. É a primeira situação. Desertar exige o salto para a liberdade, com o perigo de ser preso em Espanha, dado como desertor. Durante a travessia clandestina de Espanha e dos Pirenéus, a pé, a alimentação é pão e chocolate. Um dia, é paté e baguete – estávamos em França. Sou um homem livre e ainda hoje não tenho palavras para exprimir o que senti. É a segunda situação.

 

Quais as maiores provações que sentiu, como exilado político?

Vivi num paraíso, se comparado com os dias de hoje. Amigos e família ajudaram. O Alto Comissariado das Nações Unidas reconheceu-me como refugiado político e o Estado Belga garantiu-me proteção e bolsa de estudo. A cultura democrática, cosmopolita e fraterna da Universidade Livre de Bruxelas [ULB] ajudou muito. Em Portugal, era bom aluno e em seis anos seria engenheiro. Passo dois anos, perco um por expulsão do IST, outro pela incorporação em Penamacor e outro pela adaptação à Bélgica. Não tinha dinheiro para terminar Engenharia e tive de começar Economia, no 1.º ano – foram cinco anos de escolaridade perdidos. Registo ainda o desgosto dos meus pais que se viram privados do filho de vinte anos.

 

Constituiu o exílio uma forma de luta contra a ditadura do regime salazarista? De que forma?

Sim. Entre 1965 e 1969, fui o responsável pelos contactos internacionais do movimento estudantil. No livro conto a história do Secretariado dos Encontros de Estudantes Portugueses no Estrangeiro, apimentada por reuniões com Álvaro Cunhal. Depois, virei-me para a sociedade belga. Trabalhei no Centro de Cálculo da ULB e fui membro do Conselho de Administração. Acumulei saber e experiência que me foram úteis no regresso.

 

Pretende este livro, de alguma forma, alertar para a necessidade da preservação das sociedades democráticas, livres?

O 25 de Abril faz a unidade na derrota da ditadura. O 25 de novembro é a vitória da democracia liberal do Ocidente, com estado social e estado de direito, sobre quem defende “democracias socialistas”.

 

Qual a reflexão que mais gostaria que este livro incitasse, a quem o ler?  

Temos de defender a democracia liberal da Europa Ocidental e a União Europeia. Esta é o maior espaço de liberdade, justiça social e paz que há no mundo.

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