Diário do Alentejo

Morreu o fotojornalista do "DA" José Ferrolho

07 de outubro 2021 - 10:00

Vítima de doença prolongada faleceu hoje o fotojornalista José Ferrolho, de 47 anos. A fotografia foi desde sempre a sua paixão. O "DA" a sua casa. À família enlutada e aos amigos, o "DA" apresenta sentidas condolências. E publica um texto de despedida, escrito pela nossa ex-camarada de redação Bruna Soares.

 

Ao meu (nosso) amigo Zé,

 

Aos quilómetros que percorremos perdi-lhes a conta. Mas nós gostávamos deste nosso destino de não ficar sentados muito tempo na redação, e de sair, por aí. De vila em vila, de aldeia em aldeia, de Barrancos a São Barnabé, até ao mar.

 

Parece-me que junto daqueles que não conhecíamos, e com os quais tínhamos de falar, ou fazer com que falassem connosco, ganhávamos novas formas de vida. Como se fossemos mais úteis àqueles que encontrávamos pelo caminho, e que depois transportávamos, a eles e as suas estórias, para as páginas de jornais.

 

Nunca precisámos de trocar grandes palavras para percebermos o que era verdadeiramente importante. Falávamos com quem encontrávamos e tu, rapidamente, te tornavas muito mais neto de quem nos acolhia do que muitos netos verdadeiros e que raramente visitavam esta gente.

 

 Lembras-te daquela manhã em Vale de Rocins? Ou de quando nos pediram que fossemos de Beja a Monte Gordo de automotora, depois de comboio, e que levámos uma eternidade a chegar e tantas mais horas para regressar? Ou quando nos perdemos no tempo, sem noção das horas, em Alvito? E em Bruxelas a comermos cartuxos de batatas fritas?

 

O teu lugar, Zé, aquele sentado à secretária, não te assentava tão bem. Como se a cadeira nunca te conseguisse preencher as costas. Ainda assim fizeste lá coisas estrondosas e que todos te devemos, como a recuperação dos negativos do arquivo fotográfico do “Diário do Alentejo”, que depois deste a conhecer a todos, ajudando a contar e a perceber melhor a nossa história coletiva. Deste-nos mais memória. Sabes, aquelas 93620 pessoas que seguem a página do “DA” no Facebook, um jornal regional? A culpa é muito tua.

 

Era a Amoreira, de copa larga e verde, em frente à redação, que te conhecia melhor a ti do que a qualquer um de nós. Lá, puxavas sempre um cigarro, um atrás de outro, e a inquietude que tinhas nas pernas também sempre a tiveste na alma.

 

Estou a imaginar-nos a ir novamente por aí, tu à pendura e na janela sempre com a lente da máquina fotográfica a apontar para a paisagem. E a dizeres que se tudo corresse bem haveríamos de encontrar um restaurante onde se comessem bifes de porco preto. Com um prato cheio de batatas fritas e um ovo estrelado. Qual criança encantada com os olhos salpicados de alegria.

 

Por ti, meu amigo, falarão todas as fotografias que tiraste. O teu talento nato ficará eternizado para sempre. O teu olhar de bondade para retratar o outro nunca ninguém te ousará tirar. Imortalizaste tantas vidas e foi a tua que ficou para sempre agarrada a elas.

 

Dizias-me muitas vezes, nesses quilómetros sem fim, que gostarias de trabalhar junto à costa. Imaginavas que um dia rumarias até à praia e aí te fixarias a sobreviver à conta das tuas boas fotografias.

 

Sabes, Zé, acho que é nesse sítio que finalmente tu estás. Estou a ver-te a beber uma cerveja gelada. Com sorte, esta tarde os mariscadores trarão perceves e mais baratos do que aqueles que sempre cobiçavas na vitrina do restaurante perto do jornal. O senhor do café parece que já te conhece há anos. Já fizeste mais amigos por aí. Estás num lugar bom e ao sol e os teus gatos espreguiçam-se contigo nessa calçada em frente ao mar.

 

Até sempre, meu (nosso) amigo.

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