Diário do Alentejo

Despovoamento gera “círculo vicioso negativo”

20 de agosto 2021 - 09:30

Não é propriamente uma novidade, mas não deixa de ser impressionante: o Alentejo perdeu na última década 41 mil residentes, 12 mil só no Baixo Alentejo. No rescaldo dos resultados do Censos de 2021, procura-se saber se ainda há solução para um cenário tão negro. João Cerejeira, economista especialista em mercado de trabalho apresenta algumas medidas capazes de reverter o ciclo de despovoamento do interior. Uma delas poderá passar pela regionalização.

 

Texto Júlia Serrão

 

Os Censos de 2021 revelam que Portugal perdeu 245 mil residentes nos últimos dez anos, sendo que essa quebra populacional não se dá de forma homogénea em todo o território. O Alentejo foi a região do País onde o número de residentes mais diminuiu na última década, com um decréscimo de 6,9 por cento, verificando-se que só o Baixo Alentejo [que, para efeitos estatísticos, corresponde ao distrito de Beja sem o concelho de Odemira] perdeu 12 mil pessoas.

 

De acordo com o economista especialista em mercado de trabalho João Cerejeira, os últimos Censos confirmam uma tendência para a queda demográfica no interior relativamente aos concelhos e áreas do litoral, que já vinha de trás. E o fim de um ciclo de várias décadas, em que as populações das zonas “mais rurais” se concentravam nos principais núcleos urbanos, como capitais de distritos e mesmo sedes de concelho, “onde se inclui Beja, Évora e Portalegre, e outras cidades relevantes no norte do País”.

 

O único concelho que cresce em população no distrito de Beja é Odemira devido ao impacto da imigração, refere, sublinho que “a questão da imigração aparece em alguns pontos como elemento referenciador.”

 

O também professor na Universidade do Minho alerta para o facto de a queda de população poder ter “um efeito de círculo vicioso negativo, pois as empresas não investem em locais que estão a perder mercado, e as existentes tem tendência a sair”, de que resulta menos emprego e menor possibilidade de fixar pessoas. E, no limite, na extinção de determinados serviços tanto públicos como privados, como hospitais, Centros de Saúde, escolas e supermercados, entre outros.

 

REGIONALIZAÇÃO

 

O docente diz que é preciso criar rapidamente “mecanismos” capazes de reverter o ciclo de despovoamento do interior. Nomeadamente através do desenvolvimento de atividades económicas ligadas aos recursos da região, “que sejam únicos e não replicáveis”. Dá o exemplo de Castro Verde, que perdeu menos habitantes comparativamente a outros municípios: “Tem um nível de rendimento muito elevado face à média nacional pela existência de uma mina, que é uma atividade que gera muito emprego e tende a pagar acima da média". E também o de Odemira, cujas “condições naturais existentes não são facilmente replicáveis noutro local, o que faz com que o concelho consiga manter a população e atrair novos trabalhadores”.

 

João Cerejeira alerta para a necessidade “de pensar muito seriamente na regionalização” do ponto de vista da organização do Estado, defendendo que faz todo o sentido para áreas como o Alentejo. “Tem que haver um mecanismo de devolução de poder às regiões, que têm problemas comuns, mas outros muito diferentes e potencialidades também distintas”. Argumenta que quem está nos territórios conhece melhor o seu tecido económico, o que permite “desenvolver políticas a uma escala micro e local”, capazes de reter população e atrair atividade económica. A disparidade enorme entre a densidade populacional de alguns concelhos “coloca desafios muito diferentes, em termos de políticas sociais”.

 

Para o economista, o papel das autarquias, que já são o principal empregador e fornecedor de serviços públicos, é importante mas só até certo ponto. Adianta que há determinado “nível acima, em termos de decisão, que podia processar-se a nível das comunidades intermunicipais”, fórmula que ainda “está a ser ensaiada em termos de descentralização do poder, e que, provavelmente, também seria importante nas áreas de menor densidade” populacional. “É uma forma de concentrar serviços, mas ainda não tem grande expressão. Nomeadamente, não tem a legitimidade política que devia ter, porque não são eleitas diretamente pela população.”

 

POLÍTICA DE IMIGRAÇÃO

 

Com base nos resultados do Censos de 2021, já se percebeu que a imigração pode ter um papel essencial no combate ao despovoamento dos territórios. No entanto, Portugal “tem que ter um plano de acolhimento de imigrantes a sério, e não políticas um pouco avulsas”, observa, referindo-se aos últimos acontecimentos em Odemira, aliás, se estão a replicar noutras zonas do país. É essencial “perceber porque é que estas redes funcionam e o que leva a situações de ilegalidade” tão prolongadas no tempo. E, depois, desenvolver-se “uma política de integração de imigrantes, que também deve ser local”, e contextualizada. Partindo dos exemplos de Braga e de Odemira, concelhos que cresceram em grande parte à custa da imigração – no primeiro caso proveniente do Brasil, no segundo de países como o Bangladesh –, João Cerejeira lembra que não é possível integrar uma criança proveniente dos países asiáticos da mesma forma que outra brasileira, com o domínio da língua materna. Seja como for, “as escolas têm que ter capacidade de integrar as crianças e dar apoio ao reagrupamento familiar”, que é fundamental “para reverter o declínio demográfico”. A par de uma “política nacional de concessão da nacionalidade ou de autorização de residência”. Mas há muitos outros desafios em matéria de políticas de imigração a nível local. Alguns municípios já começaram a pensar neles. João Cerejeira diz que é um ponto de viragem em termos de políticas públicas em Portugal.

 

SALDO NEGATIVO

 

Segundo o economista João Cerejeira, os Censos de 2021 são os “primeiros em democracia” a mostrar uma diminuição da população. Isso só acontecera entre 1960 e 1970, devido à emigração dos anos 60, explica, referindo que o saldo migratório “ligeiramente positivo” nesta década não chegou para compensar a queda da população por “saldo natural”. O número de óbitos superou o número de nascimentos. “É a primeira vez que isso acontece”, levando ao “envelhecimento acelerado da população”. No Baixo Alentejo os piores resultados vão para Barrancos (com menos 21,8 por cento de residentes), seguido de Mértola (com menos 14,7 por cento) e Vidigueira (menos 12,7 por cento).

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