O valor das dívidas de particulares e entidades de saúde e outras às associações de bombeiros voluntários do distrito de Beja ultrapassam os 200 mil euros, segundo dados disponibilizados pela Federação dos Bombeiros. Uma situação que acarreta grandes problemas às corporações, que, devido à pandemia de covid-19, se deparam também com uma quebra de receitas, em consequência da redução dos serviços prestados, e com um aumento de despesas com a aquisição de equipamentos de proteção individual e material de desinfeção.
Texto Nélia Pedrosa
As dívidas de particulares às associações de bombeiros do distrito de Beja “são superiores a 100 mil euros”, segundo dados disponibilizados pelo presidente da Federação dos Bombeiros do Distrito de Beja ao “Diário do Alentejo”. “É uma situação que nos aflige já há vários anos e que se mantém, e que não é fácil de ultrapassar”, diz Domingos Fabela.
Segundo o responsável, de uma forma geral, as 15 associações do distrito “são credoras no que diz respeito às dívidas de particulares”. A título de exemplo, adianta, as dívidas de particulares à Associação dos Bombeiros Voluntários de Serpa, de que também é presidente, ascendem aos 20 mil euros; em Odemira são 12 mil; e, em Almodôvar, 9500 euros.
A maioria desta dívida “está relacionada com os retornos dos utentes a casa, feitos a partir das unidades hospitalares, e serviços requisitados pelas instituições, nomeadamente, instituições particulares de solidariedade social”, esclarece o dirigente, referindo que no caso “dos retornos, que são feitos, na maior parte das vezes, durante a noite, a cobrança torna-se difícil porque, por norma, o hospital não paga, porque o que faz é o favor de telefonar para a associação a solicitar o transporte, e o doente não tem condições para efetuar esse pagamento no momento”. As faturas são enviadas posteriormente para a morada do utente, “mas nem sempre resulta na cobrança”.
No que concerne às dívidas de entidades de saúde e outras, segundo os dados de que a federação dispõe de momento, destacam-se 126 mil euros de dívidas à Associação dos Bombeiros Voluntários de Odemira, sendo que cerca de 100 mil dirão respeito à Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano (Ulsla). De salientar, ainda, cerca de 20 mil euros de dívidas de entidades de saúde e outras aos bombeiros de Almodôvar.
Domingos Fabela reforça que as dívidas da Ulsla aos bombeiros de Odemira é a situação “mais preocupante” e que a associação “já fez uma exposição ao Ministério da Saúde a dar conta da situação grave em que se encontrava, porque, o atraso do pagamento das faturas por parte do Hospital do Litoral Alentejano deixou a associação de Odemira praticamente na estaca zero, com dificuldades em honrar os compromissos de funcionamento do dia a dia”.
O presidente da federação sublinha, contudo, que tem conhecimento que “uma parte já foi liquidada, mas o que continua a faltar tem um peso muito grande, a situação não está, de forma alguma, regularizada”.
Depois existem “atrasos pontuais” de outras entidades de saúde, mas “que não têm uma expressão muito significativa em termos financeiros”, diz Domingos Fabela. As dívidas de unidades de saúde e outras entidades dizem “respeito ao transporte de doentes, nomeadamente, fisioterapias, consultas, hemodiálise, exames e transferências de urgência”.
DÍVIDAS AUMENTARAM 20 POR CENTO
Em termos globais, sublinha o presidente da federação, verificou-se um aumento de 20 por cento do valor das dívidas no primeiro semestre deste ano comparativamente com o período homólogo de 2020. Situação que se poderá explicar, diz, “pelas dificuldades que as unidades de saúde têm em honrarem os seus compromissos”. “Acredito que em algumas situações a primeira prioridade será fazer o pagamento dos vencimentos aos colaboradores, e também terão despesas de manutenção, equipamentos, desgaste, tudo isso, e, por último, serão os fornecedores e quem presta serviços. Nós esperamos que os bombeiros estejam em primeiro lugar nesse grupo, mas nem sempre assim acontece”, lamenta.
“Como será expectável”, afirma Domingos Fabela, e atendendo ao período de pandemia de covid-19 “vivido no último ano e meio”, as associações de bombeiros do distrito de Beja deparam-se com sérias dificuldades a nível financeiro. De acordo com o dirigente, verifica-se uma “diminuição dos serviços prestados na área da saúde”, devido à pandemia, a par dos aumentos “dos gastos com pessoal”, de “despesas com a aquisição de equipamentos de proteção individual e material de desinfeção no âmbito do covid-19” e do “preço do combustível em contraponto com o preço do quilómetro pago pelo Ministério da Saúde que se mantém há 10 anos nos 0,51 euros”.
“É fácil depreender as dificuldades que as associações do distrito sentem presentemente, ou seja, honrar os seus compromissos com colaboradores, pagamento a fornecedores, manutenção de veículos, manutenção de instalações e toda uma panóplia de despesas correntes com que se deparam diariamente”, reforça. Algumas associações, diz, “tiveram que se socorrer das autarquias, um parceiro inestimável neste aspeto, a nível distrital, e outras, com o recurso a algum fundo de maneio que tinham, eventualmente, conseguiram superar e aguentar esta crise, mas não foi fácil, e ainda mais para associações como a de Odemira, com estes atrasos no pagamento de dívidas, e outras que não têm a mesma capacidade financeira para poderem suportar qualquer quebra” na área da prestação de serviços.
No caso concreto da associação de bombeiros a que preside, Domingos Fabela revela que se verifica já alguma recuperação nos serviços prestados. No primeiro semestre de 2020, a Associação dos Bombeiros de Serpa “faturou 276 mil euros” e nos primeiros seis meses de 2021 “faturou 372 mil euros”, ou seja, “96 mil euros a mais, comparativamente a período homólogo do ano passado”.
O “Diário do Alentejo” tentou obter um comentário junto do conselho de administração da Ulsla, mas tal não foi possível até ao fecho da presente edição.
COBRANÇA DIFÍCIL
A “cobrança de dívidas” aos particulares “é, sem dúvida, uma questão preocupante, uma vez que estamos a consumir recursos das associações [para fazer essa cobrança] sem haver retorno”, diz o presidente da Federação dos Bombeiros do Distrito de Beja, revelando que se tem tentado recuperar esses valores através do envio de cartas, “o que nem sempre resulta, mesmo com a ameaça de ser enviada para contencioso”. Mas é uma “ameaça velada”, sublinha, “para deixar alguns mais inquietos e com vontade de pagar”, até porque as dívidas vão “dos 20, 30 aos duzentos e tal euros”, e em caso dos valores baixos “se se vai com um processo para tribunal é sempre oneroso, não vale a pena”.