Diário do Alentejo

População estrangeira em Odemira cresce 143 por cento

12 de agosto 2021 - 15:00

A alta-comissária para as Migrações diz que o crescimento da população estrangeira em Odemira registado entre 2015 e 2020 é “um fenómeno quase único no País”, que exige “o reforço do trabalho no âmbito da promoção do entendimento mútuo, respeito e convivência no mesmo território, entre a população imigrante e a população local”.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

Em cinco anos, entre 2015 e 2020, o número de estrangeiros residentes no concelho de Odemira cresceu 143 por cento (passando de 3975 para 9615 pessoas). Se, numa primeira fase, as ofertas de trabalho no setor agrícola na região – “uma área que se tem revelado pouco atrativa para os cidadãos nacionais” – atraíram, principalmente, cidadãos búlgaros e tailandeses, a comunidade sul-asiática “tem vindo a crescer, essencialmente nos últimos três anos”, sublinha a alta-comissária para as Migrações ao “Diário do Alentejo”.

 

De acordo com Sónia Pereira, em 2015, os cidadãos búlgaros e tailandeses representavam, respetivamente, 27 e 20 por cento dos estrangeiros residentes no concelho. Em 2020 as nacionalidades mais representativas “eram a nepalesa e a indiana, representando, cada uma, 24 por cento dos cidadãos estrangeiros residentes”.

 

Comparativamente a 2015, em 2020 os imigrantes de nacionalidade nepalesa “tiveram um crescimento de 928 por centro” e indiana “um crescimento de 2545 por cento”, trazendo “novos desafios ao nível, por exemplo, da diversidade linguística e religiosa, bem como os relacionados com um menor conhecimento do contexto português”, frisa a responsável. Ainda segundo os dados de 2020, 10 por cento eram naturais da Bulgária.

 

No Baixo Alentejo, os cidadãos estrangeiros residentes são maioritariamente oriundos da Índia (20 por cento), do Nepal (17 por cento) e do Brasil (oito por cento).

 

O número de migrantes em regime sazonal, “que não se fixam no concelho e que se deslocam pelo território consoante os diferentes períodos de colheita”, prossegue a Sónia Pereira, tem vindo a aumentar em função do dinamismo da atividade económica dominante”.

 

“FENÓMENO QUASE ÚNICO NO PAÍS”

 

A alta-comissária realça que o crescimento da população estrangeira em Odemira, “observado entre 2015 e 2020, face ao total de população residente – representando 39 por cento da população total residente no concelho –, é um fenómeno quase único no País”, que exige “o reforço do trabalho no âmbito da promoção do entendimento mútuo, respeito e convivência no mesmo território, entre a população imigrante e a população local”.

 

Para além disso, este aumento “expôs as fragilidades das respostas disponíveis em termos de serviços públicos, de condições de trabalho e de habitação”. Contudo, relembra, este fenómeno “não é novo” no Baixo Alentejo: “Já anteriormente esta região contava com a deslocação de trabalhadores nacionais, migrantes internos, principalmente da região beirã, para desenvolver trabalho agrícola na região”.

 

A responsável reforça que o processo de integração da comunidade “é multifacetado, envolvendo várias dimensões e uma grande pluralidade de entidades num trabalho contínuo, integrado e de proximidade”, sendo que o Alto Comissariado para as Migrações, IP (ACM), “tem vindo, e vai continuar, a desenvolver o trabalho conjunto e de proximidade com todos os interlocutores/organismos locais envolvidos no acolhimento e integração de pessoas migrantes, tendo em vista a concertação de respostas específicas para o concelho de Odemira, nomeadamente, quanto à melhoria das condições de trabalho e habitação, a promoção da interculturalidade e a facilitação de informação para mitigação da pandemia de covid-19”.

 

EMPRESAS “TÊM OBRIGAÇÃO DE DISPONIBILIZAR ALOJAMENTO DIGNO”

 

O “acesso à habitação”, como o identificam vários estudos, frisa Sónia Pereira, é “uma das dimensões mais críticas” que afeta os migrantes que se deslocam para trabalhar na região, sendo igualmente “de ter em conta a precariedade das relações laborais e as situações de exploração laboral que também têm sido identificadas”.

 

Neste sentido, chama a atenção não só para “o trabalho articulado que tem existido no território de Odemira tendo em vista a fiscalização das condições de habitabilidade e de trabalho dos trabalhadores agrícolas”, como para a recente alteração à Resolução do Conselho de Ministros n.º 179/2019 – que impõe a criação de um regime excecional e transitório que permita equiparar os alojamentos instalados no Aproveitamento Hidroagrícola do Mira a estruturas complementares da atividade agrícola, desde que cumpridas várias condições –, “com vista a garantir a efetiva implementação da solução adotada em 2019, ao nível da simplificação procedimental e da clarificação de obrigações” (Resolução do Conselho de Ministros n.º 69/2021).

 

Segundo esta resolução, “esclarece-se que cada exploração agrícola tem a obrigação de disponibilizar, aos seus trabalhadores sazonais, alojamento temporário digno, em instalações de alojamento temporário amovíveis”. E “clarificam-se obrigações das empresas detentoras de explorações agrícolas, nomeadamente, em matéria de proteção da saúde e das condições dos trabalhadores e de garantia das condições mínimas de habitação para os trabalhadores, bem como de garantia de saúde pública”.

 

A alta-comissária destaca ainda a assinatura de protocolos entre o Governo e a Câmara de Odemira e três associações de produtores agrícolas, “nos quais se procura responder às condições de habitação”.

 

No âmbito do “trabalho integrado e articulado” que o ACM tem vindo a realizar “com as entidades locais de Odemira com responsabilidade em matéria de acolhimento e integração de migrantes”, a responsável sublinha, também, a implementação dos planos municipais para a integração de migrantes, “conduzidos pela Câmara de Odemira” desde 2015. Planos que incorporam “as estratégias de atuação concertadas das diferentes entidades que atuam na área das migrações a nível local”.

 

O atual plano em execução “contempla 46 medidas, em áreas diversas, como Urbanismo e Habitação, Mercado de Trabalho e Empreendedorismo, Formação e Capacitação, Educação e Língua, Saúde e Solidariedade e Resposta Social”.

 

A criação, em 2014, do Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes (Claim) de Odemira, em parceria com a Taipa – Organização Cooperativa para o Desenvolvimento Integrado, é outra das respostas referidas por Sónia Pereira. O Claim de Odemira, “que também faz trabalho de itinerância em função do horário de trabalho dos migrantes”, realizou, “de 2020 a junho de 2021”, 2435 atendimentos, “na sua maioria, a cidadãos do Nepal (40 por cento) e da Índia (34 por cento), relacionando-se os principais assuntos com permanência em território nacional (56 por cento) e reagrupamento familiar (15 por cento)”.

 

É de salientar igualmente, segundo a alta-comissária, a abertura, a 14 de junho último, do Gabinete de Inserção Profissional Imigrante, também resultado de uma parceria com a Taipa e com o Instituto do Emprego e Formação Profissional, e que “conta com 53 atendimentos, em particular, a cidadãos nacionais da Índia, desde a sua inauguração até ao momento”.

 

Do conjunto de respostas criadas ao nível do concelho, destacam-se, ainda, a título de exemplo, “a integração do Agrupamento de Escolas de São Teotónio na Rede de Escolas para a Educação Intercultural e a promoção de cursos de Português Língua de Acolhimento (PLA), nomeadamente, na Escola Básica Engenheiro Manuel R. Amaro da Costa”, em São Teotónio, onde “foram realizados 20 cursos de PLA, no ano letivo 2020/2021, estando em fase de conclusão um aviso para financiamento de novos cursos”.

 

No âmbito do Plano Nacional de Implementação do Pacto Global das Migrações, que envolve “todas as áreas governativas com responsabilidades ao nível da integração das populações migrantes”, entre as medidas já implementadas, diz Sónia Pereira, contam-se algumas “estruturantes”, como “a atribuição do número de Segurança Social na hora, que já permitiu a facilitação do processo de regularização a mais de 190 mil cidadãos”, a “revisão do programa nacional de aprendizagem da língua portuguesa, promovendo o alargamento e flexibilização da oferta, o acesso e frequência a cidadãos em processo de regularização e a criação de uma unidade para a aprendizagem do alfabeto latino (dimensão particularmente relevante para as nacionalidades mais representativas no território de Odemira)” e a “plataforma de renovação automática de autorizações de residência, que desde julho de 2020 já renovou mais de 128 mil títulos”.

 

“O desenvolvimento do trabalho conjunto entre os vários interlocutores e serviços públicos, incluindo os organismos locais, as empresas e pessoas migrantes, é essencial para a concertação de respostas eficazes e para a agilização de processos de integração. É nesse sentido que o ACM tem trabalhado e vai continuar a trabalhar, no caso do Baixo Alentejo, com uma atenção especial na melhoria das estruturas de apoio e das condições de trabalho e habitação”, volta a reforçar a alta-comissária.

 

Nesse sentido, relembra o protocolo estabelecido recentemente entre o ACM e a Câmara de Beja para a abertura de um centro nacional de apoio à integração de migrantes (Cnaim), o quarto no País, que “desempenhará, sempre que se justificar, trabalho em itinerância, tendo uma abrangência ao nível do distrito” e cuja entrada em funcionamento “está prevista para breve”.

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