Diário do Alentejo

Alentejo perdeu mais de 41 mil habitantes

12 de agosto 2021 - 09:10

O problema da quebra demográfica tem-se vindo a intensificar em todo o País, em geral, e no Baixo Alentejo, em particular. A solução deste problema complexo não se apresenta fácil, mas a tomada de algumas medidas e um debate alargado podem ajudar a suster a queda populacional.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

Segundo dados revelados esta semana do Programa Nacional de Rastreio Neonatal, nos primeiros seis meses do ano, quando comparados com igual período de 2020, nasceram menos 60 bebés no distrito de Beja, um decréscimo de 11 por cento, tendo-se registado 484 nascimentos.

 

Estes números só vêm confirmar aquilo que os resultados preliminares do Censos 2021 revelaram: a maioria do território da região do Alentejo perdeu população, muito embora as sub-regiões do Alto Alentejo (- 6,8 por cento) e do Baixo Alentejo (- 6,2 por cento) apresentem as maiores diminuições. Os municípios de Barrancos (- 21,8 por cento) e de Mértola (- 16,5 por cento) são os mais penalizados. Por outro lado, Odemira é o único onde se assistiu a um aumento populacional.

 

Ainda de acordo com os Censos 2021, a população residente na região do Alentejo (entendida como a soma dos distritos de Beja, Évora e Portalegre e dos quatro municípios do litoral alentejano integrados no distrito de Setúbal) está, pela primeira vez, abaixo do meio milhão de pessoas: 468 802 habitantes, menos 41 047 pessoas do que em 2011.

 

O envelhecimento da população verificado na última década, ocorreu de forma generalizada em todo o País, mas, particularmente, na região do Alentejo, onde o índice passou de 163 para 178 idosos por cada 100 jovens. Em Portugal este indicador passou de 102, em 2001 para 128 em 2011. O Alentejo apresenta, em 2011, uma densidade populacional de 24,0 habitantes por km2 , muito inferior à densidade média nacional, 114,5 por km2. Mas no Baixo Alentejo a densidade é muito menor atingindo em Mértola o valor de apenas 5,6 habitantes por quilómetro quadrado.

 

SEM SOLUÇÃO

 

Paulo Machado, sociólogo, investigador do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova, especialista nas áreas de demografia, sociologia da população, sociologia urbana e ecologia humana, não aponta uma solução para a resolução do problema demográfico: “Acho que ninguém no seu perfeito juízo se atreveria, neste preciso momento, a apresentar uma solução, na medida em que não se imagina uma solução que de algum modo revertesse a situação”.

 

O professor universitário diz que os valores do decréscimo populacional “são de tal forma significativos”, não só no Alentejo, mas em grande parte do interior, “que essas soluções não existem”.

 

Paulo Machado lembra que “num passado bastante remoto existia capacidade de intervenção que hoje não existe, nomeadamente, através de políticas de repovoamento”, sendo que umas surtiram mais efeito do que outras. “Foi assim que se povoaram, também no Alentejo, mas não só, alguns territórios”. No entanto “no quadro societário em que vivemos, é extremamente difícil reverter esta situação”.

 

Não sendo fácil, admite que “é possível tentar suster este decréscimo” e explica que estudos recentes atribuem às autarquias “um papel de enorme responsabilidade” nesta questão. “A gestão das questões populacionais a partir do centro revelou-se estéril, mas à escala local, com outros instrumentos que nem todos os municípios ainda têm, nomeadamente, a política dos solos, decisões de natureza fiscal, incentivos à fixação das famílias, de algum modo pode-se contribuir para suster o decréscimo, mas não reverter a situação”, defende.

 

Cronista do “Público” e fundador do Livre, Rui Tavares, dedicou esta semana um dos seus textos à problemática da concentração de metade da população em “50 quilómetros de costa”.

 

O também historiador diz que há “duas dimensões da discussão que se confundem: uma no plano individual; outra no plano das decisões coletivas”. E é a este nível que defende uma série de mudanças para se conseguir um País “dinâmico e equilibrado”. Como explicação para o despovoamento do interior aponta, entre outras questões, a precariedade laboral, a pressão do horário de trabalho sobre a vida familiar, os baixos salários que empurram os jovens para a emigração, mas admite que o interior “tem um potencial ímpar de qualidade de vida, segurança e equilíbrio entre a vida profissional e familiar” que abona a seu favor. E acredita que com as “políticas certas” seriam muito mais aqueles que quereriam viver no interior.

 

Embora defendendo a necessidade de “várias abordagens para problema”, Paulo Machado alerta para o facto de a sociedade funcionar de forma “mais complexa”. E dá um exemplo: “Lá por se criar um bairro para ajudar à fixação de professores não significa que os professores se fixem. Conheço bem esta situação porque há uns anos fui professor no Alandroal e a generosidade do município, no sentido de criar condições para a fixação de professores, não vingou. Foram muito poucos aqueles que se fixaram”. E porquê? “Porque a gestão do pessoal docente não era feita pelos municípios [era pelo Ministério da Educação] e “para funcionar era necessário políticas articuladas”, que não existiam, nem existem.

 

O PAPEL DA EMIGRAÇÃO

 

“Temos que encarar, de uma vez por todas, com seriedade e disponibilidade cultural, a imigração como muito necessário e essencial para a estabilidade demográfica. Temos que ser honestos para connosco, porque existem reservas a uma imigração massiva, mas para que funcione ela terá que ser massiva. Nos poucos locais onde ela é massiva – que é o caso de Odemira – existem grandes dificuldades de ordem social”, acrescenta o investigador.

 

Ainda segundo Paulo Machado, “estamos perante um conjunto de nós que se entrelaçam uns nos outros que tornam difícil a resolução deste problema. Porque esta situação é efetivamente um problema, a ausência de população é em si um problema sério e que se tem vindo a agravar. Não estamos a ter uma reflexão participada e alargada sobre estas questões, mas deveríamos ter”. 

 

“PAÍS SEM FUTURO”

 

O Movimento Ação Ética, fundado pelo ex-ministro Bagão Félix, o jurista Paulo Otero, o médico psiquiatra Pedro Afonso e o médico Vítor Gil alerta para o impacto do envelhecimento em Portugal, que pode gerar “um país enfraquecido e sem futuro”, numa análise aos resultados preliminares dos Censos 2021. “Mais do que nunca”, é urgente criar um conjunto de medidas que “contrarie este declínio demográfico”, nomeadamente, a “necessidade de melhorar a conciliação entre a vida familiar e profissional”, refere o movimento.

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