José Lúcio é desembargador no Tribunal da Relação de Évora. Exerceu funções de juiz em Portalegre, Moita, Mogadouro, Torres Novas, Porto e Évora. Foi juiz presidente da Comarca de Beja entre junho de 2014 e dezembro de 2020. “Crónicas do Lidador” é o título do livro que publicou recentemente. O “Diário do Alentejo” falou com o autor.
Texto José Serrano
Como nos apresenta este livro?
Trata-se de um conjunto de textos relacionados com a problemática da justiça e da sua comunicação com a sociedade. Explicam-se por circunstâncias pessoais, concretamente o exercício do cargo de juiz presidente da Comarca de Beja e, nessa medida, visavam, primacialmente, as gentes ligadas à administração da Justiça, mas tive sempre a preocupação de serem compreensíveis pelo cidadão comum.
Quais os estímulos que estão na génese desta obra?
Ao cessar as funções de juiz presidente da Comarca de Beja, pensei que devia fazer a recolha desses escritos, que doutra forma se perderiam. Quis deixar documentada uma ação em que investi muito de mim. Quis registar uma atuação que foi guiada por um pensamento, talvez ingénuo, que no essencial mantenho. Por outro lado, pensei que o que ali está escrito pudesse ter interesse, ser útil, para outros.
Durante o tempo que esteve à frente da Comarca de Beja foi crítico, relativamente às instalações provisórias dos tribunais que constituem a comarca e à não concretização do novo palácio da justiça anunciado pelo Governo, em 2016. O que revela a morosidade deste projeto?
Revela, fundamentalmente, a notória secundarização da justiça e do Alentejo ao nível dos decisores políticos. Os seis ou sete milhões necessários são uma bagatela quando comparados com as centenas de milhões de euros gastos a propósito das mais intrigantes causas. Não deve haver outro caso em que o poder local tenha empenhado tanto de seu para viabilizar um projeto da responsabilidade da administração central. Situação semelhante só conheço em Portalegre, com o palácio da justiça em obra parada desde 2014 e tudo a funcionar em instalações provisórias. A similitude não é um acaso: o Alentejo, esvaziado de gente e, consequentemente, sem peso político, está longe das prioridades dos centros de decisão.
Como descreveria Beja, a quem não conhece a cidade?
Durante quase sete anos, procurei conhecer a cidade e o distrito – a comarca coincide com o distrito. Se estivesse a falar, com alguém da minha confiança, a propósito de Beja, ou de Moura ou de Serpa, ou de Mértola, ou de qualquer outro dos concelhos, diria que os fossem conhecer e que não deixariam de gostar. Mas não conseguiria disfarçar a apreensão e a mágoa: o que temos merece-nos tudo, mas não podemos fechar os olhos perante o vírus da estagnação e do imobilismo. Falta gente e onde falta gente tende a faltar muita coisa.
O que levou destes seis anos, em Beja?
Foi uma fase gratificante da vida. Sinto que só fiz amigos, o que é notável. Profissionalmente foi uma experiência interessante, que me permite ter uma visão muito mais abrangente dos problemas da justiça e um conhecimento mais profundo do Alentejo. Continuo tão presente como posso e trago comigo um imenso carinho e uma plena identificação com as pessoas, que sinto como a minha gente.