Diário do Alentejo

“Temos uma sociedade muito heteronormativa”

22 de julho 2021 - 12:30

Não sendo a Arruaça “uma associação de matriz LGBT”, quis, contudo, dar o seu contributo no sentido de preencher “a lacuna existente na promoção da pluralidade sexual e de género” na região, assinalando, pela primeira vez, o orgulho Lgbtqi+ no Baixo Alentejo.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

“Não vemos o Alentejo como um sítio especialmente homofóbico, ou transfóbico, mas há muito trabalho para fazer”. Quem o diz é Nádia Mira, vice-presidente da Arruaça, associação que assinalou, pela primeira vez, no último sábado, em Beja, o orgulho Lgbtqi+ no Baixo Alentejo, com uma exposição, uma conversa sobre inclusão e um concerto com o Fado Bicha, num evento apelidado de Beja Pride.

 

“Obviamente que existe discriminação, mas não digo que exista mais no Alentejo ou no Baixo Alentejo do que existe noutras partes do País. Nós temos uma sociedade muito heteronormativa e absolutamente binária, em que o homem médio é descrito como um heterossexual que se enquadra numa das aceções binárias de género e nós temos uma realidade que é muito diversa dessa”, reforça.

 

Não sendo a Arruaça “uma associação de matriz LGBT”, sublinha a responsável, quis, contudo, dar o seu contributo no sentido de preencher “a lacuna existente na promoção da pluralidade sexual e de género” e mostrar “Beja como uma cidade inclusiva e diversa”. Até porque no Baixo Alentejo, continua Nádia Mira, não existem “intuições de caráter declaradamente LGBT, nem representação de outras estruturas, como a Associação ILGA Portugal – Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo, a Rede Ex Aequo – Associação de Jovens Lgbti e Apoiantes ou a Amplos – Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual e Identidade de Género”.

 

E, sobretudo, em “tempos de pandemia”, em que a comunidade LGBT, “sendo uma comunidade fragilizada, é mais fácil perder o acesso a determinados direitos, achámos que fazia sentido reafirmá-los nesta altura”, diz ainda a vice-presidente, alertando para o facto de haver, em termos gerais, dentro da comunidade LBGT, pessoas que são “especialmente discriminadas”, designadamente, da comunidade transexual, sendo “uma luta que ainda tem muitos passos para dar”. E continua: “Há um exemplo muito gritante no que respeita ao acesso a determinados cuidados de saúde na comunidade transexual, que é muito complexo. E nós temos de olhar para esses casos, não como sendo uma franja da sociedade, mas como pessoas que necessitam de uma resposta que é essencial e indispensável para a sua saúde. Isso é só um exemplo do que continua a não ser feito: ajustar um serviço de saúde a pessoas que têm necessidades que são diferentes”.

 

Para Nádia Mira, a “representatividade na sociedade” é fundamental para quebrar preconceitos. “[É essencial] as pessoas perceberem que nós existirmos e que somos pessoas exatamente iguais a elas que nasceram assim. Respeitar o outro independente da sua orientação sexual ou da sua identidade de género. As pessoas, às vezes, têm medo daquilo que não conhecem e acho que no Alentejo acontece muito isso, mas a partir do momento em que são confrontadas com essa realidade, e que começam a conhecer, facilmente se desfazem preconceitos”.

 

A Beja Pride deverá ter a sua segunda edição no próximo ano, mantendo o mesmo conceito – arte, diálogo e festa, “pilares” considerados “importantes” na luta pelos direitos da comunidade LGBT. “Gostamos muito de ver a arte como um instrumento de luta, achamos importantíssimo o diálogo para desconstruir preconceitos e a celebração [do orgulho] também tem de ser sempre uma festa. Serão sempre esses três pilares que estarão na base das iniciativas futuras, sem prejuízo de se acrescentarem novas iniciativas que poderão ser pensamos, dependendo da evolução do estado da pandemia e das condicionantes que tivermos em cada uma das edições”, explica Nádia Mira, adiantando que as atividades levadas a cabo no último sábado, que respeitaram as normas e orientações relativas à covid-19, “esgotaram”.

 

“O feedback foi ótimo e o facto de as pessoas aparecerem e quererem muito estar presentes, mesmo algumas que não puderam, e porque a lotação também era limitada, faz-nos sentir que era mesmo necessário que este evento existisse”.

 

A organização contou com o apoio da Câmara Municipal de Beja, das duas uniões das freguesias de Beja – Santiago Maior e São João Baptista e Salvador e Santa Maria da Feira, do Centro Unesco para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial de Beja, do Instituto Português do Desporto e Juventude e do Projeto EntreMarias.

 

PARLAMENTO RECOMENDA AO GOVERNO MAIS ESTRUTURAS DE APOIO

 

O parlamento aprovou, na semana passada, um texto final relativo a três resoluções do BE e das deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues que recomendam ao Governo a criação de estruturas de apoio para as pessoas Lgbtqi+. O texto foi aprovado em sessão plenária com os votos contra do CDS-PP e Chega e abstenções de PSD e Iniciativa Liberal. O parlamento recomenda ao executivo que “promova a criação de estruturas de apoio multissetorial de âmbito local para apoio a pessoas Lgbtqi+ que se encontrem em situação de fragilidade económica ou social” e que proceda à “capacitação de técnicos especializados para o acompanhamento e tratamento das dificuldades e impedimentos sentidos" por estas pessoas "na procura de emprego, de habitação, na prestação de cuidados de saúde e de apoio psicológico, social e jurídico”. Nádia Mira diz que tem sido feito “um caminho legislativo importante nos últimos anos para a proteção das pessoas LGBT, falta, depois, colocar em prática, e depois vemos coisas como, até há pouquíssimo tempo, os homossexuais ainda eram impedidos de dar sangue”.

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