Diário do Alentejo

Fábricas de bagaço podem ter “os dias contados”

22 de julho 2021 - 10:00

A Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA), dando continuidade a um projeto que teve início em 2008 e retomado em 2019, assinou vários protocolos com entidades agroindustrais e agropecuárias da região com vista à criação de Unidades de Recirculação de Subprodutos de Alqueva (URSA).

 

Texto Aníbal Fernandes

 

São 18 as empresas e associações que decidiram aderir ao protocolo para a transformação de subprodutos agrícolas, pecuários e agroindustriais de qualidade em matérias fertilizantes orgânicas estabilizadas, através de um processo de compostagem.

 

O documento, a que o “Diário do Alentejo” teve acesso, explica que “as atividades agrícolas, pecuária e agroindustrial em desenvolvimento no Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EMFA) produzem quantidades significativas de subprodutos orgânicos, ricos em carbono, passíveis de transformação em fertilizante agrícola”. O seu aproveitamento, através do processo de compostagem, e posterior aplicação nos terrenos, reduz o uso de fertilizantes industriais e aumenta a capacidade de retenção de água e nutrientes, “possibilitando a sua utilização mais gradual pelas plantas, com redução das perdas por lixiviação e, consequentemente, das necessidades de fertilização mineral”.

 

David Catita, responsável da EDIA pelo projeto, diz que o processo está em marcha e que as empresas Olivimundo e a Rabadoa já formalizaram os respetivos pedidos de licenciamento junto da Câmara de Beja. As outras entidades são Vale Formoso (Granja), Esporão, Terras de Azeite, Paço do Conde, Olivum, Olivais do Sul, Olibest (Serpa), Nutrifarms (Oliveira da Serra), Moragri (Boavista), Maria da Guarda (Serpa), Innoliva, Herdade dos Grous, Comissão Vinhos do Alentejo, Associação de Produtores Agricultura Precisão (Elvas), Jerónimo Martins (Monte Trigo) e Casa Relvas (Vidigueira).

 

Para além destas unidades comunitárias, que estão disponíveis para receber material seco de outros produtores locais, a EDIA candidatou-se, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), à construção de mais seis grandes unidades comunitárias em Serpa, Ferreira do Alentejo, Elvas, Pegões, Santarém e Mirandela.

 

As unidades particulares necessitam de um investimento entre 100 e 200 mil euros e são passíveis de ser apoiados financeiramente em cerca de 45 por cento. Já as unidades a criar pela EDIA custarão à volta de 500 mil euros. A diferença no investimento justifica-se com o facto das empresas já a laborar terem, em parte, maquinaria que pode ser utilizada no processo. Quanto ao número de unidades a criar justifica-se por “o objetivo ser andar o menos possível com os subprodutos na estrada, de forma a reduzir a sua pegada ecológica”, explica David Catita.

 

O interesse pelo aproveitamento dos subprodutos da atividade agropecuária não é de agora. A EDIA já tem um histórico nesta atividade e, em 2008, chegou a liderar, na região, a Estratégia Nacional para os Efluentes Agropecuários e Agroindustriais. O sucesso foi relativo. Mas não foi tempo perdido. Os conhecimentos adquiridos e a constatação da realidade mostraram que “alguma coisa tinha de ser feito”.

 

Segundo estudos da EDIA a percentagem de matéria orgânica do solo no EMFA variam entre 0,7 e 1,0 por cento, muito abaixo daquilo que seria desejável (entre três e quatro por cento). O uso de adubos minerais em terrenos sem capacidade de retenção leva a que as massas de água superficiais (as albufeiras) e subterrâneas (os lençóis freáticos) absorvam água com mais nutrientes e sedimentos, o que vai provocar a degradação da qualidade da água e o aparecimento de plantas invasoras, com os custos acrescidos que isso significa quer para o EMFA, quer para os agricultores.

 

O protocolo refere que “teores de matéria orgânica inferiores a dois por cento são suscetíveis de comprometer a fertilidade do solo. A matéria orgânica é um reservatório de nutrientes, designadamente de azoto e de fósforo e é a fonte de nutrição do microbioma do solo”, servindo também de “tampão às variações de acidez, alcalinidade e salinidade, bem como dos impactes provocados pela utilização de pesticidas e à toxicidade dos metais pesados”.

 

As unidades programadas irão produzir três a quatro vezes ao ano, aproveitando a sazonalidade dos subprodutos. Do olival virão a rama, as folhas e até o bagaço de azeitona; da vinha, a rama, o engaço e as massas vínicas; do milho, a palha; das pecuárias, o estrume e o chorume; das queijarias, as lamas; e, da agroindústria, os restos.

 

“Só a Olivimundo poderá reciclar 50 mil toneladas de bagaço e até chegar às 100 mil toneladas”, exemplifica David Catita, explicando que para “cumprir a curva térmica” o bagaço não pode exceder os 50 por cento. Isto assume particular importância se tivermos em conta os protestos por parte das populações em relação às fábricas de transformação do bagaço e aos impactos ambientais inerentes.

 

“Todo o bagaço que vai para as fábricas não volta para o território”, constata o técnico da EDIA, acrescentando que “quando acabar o bagaço, acabam-se as fábricas”.

 

Antecipando algumas críticas que possam surgir devido ao encerramento destas unidades fabris, David Catita recorda que as novas unidades “também vão criar emprego” e que “existe mais emprego numa forma de exploração correta” promovendo a economia circular.

 

“A recirculação de subprodutos orgânicos no ciclo produtivo, reduzindo a depreciação do seu valor, representa o corolário da economia circular e uma utilização globalmente mais eficiente dos recursos, com menor importação de fatores de produção e limitação dos resíduos orgânicos produzidos”, lê-se no protocolo.

 

Gonçalo Almeida Simões, diretor-geral da Olivum, ressalvando que ainda estamos num período “experimental”, diz que pode ser um processo “interessante”, uma vez que neste momento o Alentejo não tem adubo suficiente para as suas necessidades e, no futuro, pode tê-lo, quer para os olivais, quer para outras culturas.

 

Do ponto de vista financeiro também é uma mais-valia pois “quanto mais bagaço ficar nos lagares, menos irá para a indústria” que cobra por essa entrega. A prazo, pode-se até pensar em tornar a produção do adubo produzido através da compostagem “em fonte de rendimento”.

 

UMA REVOLUÇÃO

 

Para Fátima Moura, da Associação Ambiental Amigos das Fortes, em Ferreira do Alentejo, local onde existe uma fábrica de transformação do bagaço de azeitona, podemos estar perante “uma revolução”. “Se os olivicultores tomarem consciência da importância desta solução, muda tudo”. A ativista ambiental lembra que “o melhor azeite do mundo tem um lado negro” que é o impacto ambiental destas unidades industriais, nomeadamente, através da depreciação da qualidade do ar e das poeiras expelidas.

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