Diário do Alentejo

Misericórdia de Ferreira “pinta sorrisos” de idosos

08 de julho 2021 - 10:55

“Felicita-me” é um projeto da Santa Casa da Misericórdia de Ferreira do Alentejo, reconhecido pela União das Misericórdias Portuguesas e que visa “pintar sorrisos, aquecer corações, atenuar a dor e valorizar histórias de vida”.

 

Texto Rita Palma Nascimento

 

A ideia começou a ser desenhada em outubro de 2020 por Daniela Góis, atual diretora técnica do Serviço de Apoio Domiciliário (SAD) da Santa Casa da Misericórdia de Ferreira do Alentejo (Scmfa), com o intuito de atender, alterar e adequar respostas sociais, num momento em que se acentuavam as fragilidades de grupos de risco, por força da realidade pandémica. Segundo Daniela Góis, “partiu-se do pressuposto de que os utentes careciam de envolvimento noutras atividades que englobassem domínios” que não apenas o autocuidado. “A pandemia”, acrescenta, “veio agravar a solidão, o isolamento e a dispersão do afeto familiar” o que impôs, uma reinvenção do SAD.

 

Era preciso, agora, “dar resposta a um conjunto de problemáticas pouco percetíveis anteriormente, isto porque a maioria dos utentes mantinha a sua rotina quotidiana”, que se alterou com a imposição de largos meses de confinamento e alteração à vida “tal como a conhecíamos até aqui”. Nesse sentido, “era necessário intervir nas dimensões mais abstratas do ser humano, enquanto ser social que é”. A razão, “a única”, de acordo com a diretora, é muito simples de explicar: “foi pintar sorrisos”.

 

Inicialmente “a ideia foi (e continua a ser) surpreender pessoas, numa ótica de valorização pessoal e de empatia pelo próximo”. Contudo, no presente, e numa outra escala, o projeto permitiu, com maior regularidade, planear outro tipo de atividades. “Com os recursos disponíveis foi possível mostrar que, com alma e motivação, não é necessário muito mais para que se toquem os corações de quem mais precisa. O Felicita-me nasceu disso mesmo, da vontade de transformar as noites de inverno em dias de primavera, de fazer do chão o colo que faltava”, descreve Daniela Góis.

 

Por outro lado, a diretora técnica alerta para que “nem todas as atitudes” de menosprezo, abandono, desatenção, negligência ou ineficácia “se podem justificar com atual contexto pandémico”. Muito antes, “eram já as equipas de prestação de cuidados quem mais perto se encontrava dos utentes. A presente realidade apenas o exacerbou”. Num cenário de abandono, esquecimento e solidão “a humanização dos cuidados” impõe-se. “E é nisso que nos temos centrado, em ser a família do coração dos nossos utentes”.

 

Há sempre uma conversa, um gesto, um olhar, a realização de uma atividade, a satisfação de um desejo ou uma surpresa, “quem não gosta?”, interroga Daniela Góis? “É um exercício simples de fazer, basta colocarmo-nos no lugar do outro e agir de acordo com o que gostaríamos de receber no seu lugar”. Nesta perspetiva, acrescenta, “alargamos o projeto a uma vertente socio-ocupacional, com o objetivo de diminuir o absentismo e os momentos de ócio e solitude, através da realização de atividades ocupacionais, sem abdicar dos momentos surpresa e inesperados, como o sejam a celebração de um aniversário. Há que atenuar a dor, suaviza-la, valorizando pessoas e histórias”.

 

“Há uma senhora”, refere a diretora técnica, atualmente domiciliada, “ainda autónoma para as atividades da vida diária, mas com limitações do foro psíquico e que reside numa habitação com fracas condições de habitabilidade e comodidade”. Vive da esperança e da contagem dos dias, “ansiando o dia da nossa vista”. As atividades executadas com esta utente, elucida, são “realizadas em espaço exterior”, variável, “porque não existe a obrigatoriedade de um lugar concreto para exercer o nosso trabalho” e, neste caso concreto, a habitação não o permite. “Temos que nos adaptar às situações e realidades dos utentes e não o inverso”.

 

ENCONTROS VIRTUAIS

 

Daniela Góis enfatiza também a possibilidade e “recompensa” que é ver e sentir o sorrio de quem “há muito não celebra o aniversário” e de quem “não vê a família há largos meses”. Momentos agora possíveis através de encontros, virtuais, promovidos pela equipa do Serviço de Apoio Domiciliário da Santa Casa da Misericórdia de Ferreira do Alentejo, através de um ‘tablet’. “Conectamos os utentes à família e fazemos a festa juntos!”. Há também aqueles que “nunca sorriram verdadeiramente”, subjugados “à opressão em que viviam”, a quem é agora possível “pintar sorrisos” e colorir os dias.

 

“SÃO AS PESSOAS QUE MAIS PRECISAM DE APOIO”

 

Questionada sobre o impacto das ações e intervenções técnicas ao abrigo do projeto “Felicita-me”, Daniela Góis considera-o “positivo”. O contexto é propício, sobretudo num “meio rural, como o é o concelho de Ferreira do Alentejo, onde respostas como esta não existiam para o público-alvo” da instituição, ou seja, os utentes do centro de dia, na sua maioria sem retaguarda familiar e cujo agregado familiar é composto por uma só pessoa. Em território nacional, relata a diretora técnica ao “DA”, as instituições públicas não priorizaram este grupo. “É uma crueldade. São estas as pessoas que mais precisam de apoio. Ninguém lhes bateu à porta. Apenas nós, as equipas de apoio domiciliário, com respostas muito peculiares”. O balanço é, por isso, “crescente”, e pautado por “emoções genuínas e momentos inesperados”, mas também pela “transparência, envolvência e colaboração dos utentes neste projeto”.

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