Diário do Alentejo

Jovens “puxam” pela agricultura biológica no Baixo Alentejo

07 de julho 2021 - 10:10

No último minuto da presidência portuguesa o Conselho da União Europeia avalizou, na passada segunda-feira, o acordo provisório alcançado sobre a nova Política Agrícola Comum (PAC) e que muitos definem como “mais verde”. Apesar das questões técnicas desta reforma ainda não estarem definidas já se sabe que, no caso dos pagamentos diretos, 25 por cento do dinheiro será destinado aos eco-regimes, área que no Baixo Alentejo ocupa mais de 15 mil hectares de terra arável e tem aumentado na última década.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

Segundo os dados do último Recenseamento Agrícola (2019), agora divulgados, a agricultura em modo biológico ocupa 15 812 hectares no Baixo Alentejo, sendo que a grande maioria (11 756 ha) são pastagens. Numa década, o efetivo pecuário de bovinos e ovinos produzidos em modo biológico quase duplicou, passando de cerca cinco mil para quase dez mil cabeças. Em sentido inverso, a produção de suínos caiu de 693 para 70.

 

De acordo com dados da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, em 2019, a superfície agrícola utilizada em Portugal em agricultura biológica foi de 293 213 ha, o que corresponde a um acréscimo, relativamente a 2018 (213 118 ha), de 27 por cento e o número de explorações subiu, no mesmo período, de 5905 para 6408.

 

Por culturas, em 2018, as pastagens (58 por cento), as forragens (14,2) e as culturas arvenses (1,3) representavam 73,5 por cento da área total de agricultura biológica em Portugal. No entanto a produção para consumo humano continua a ter pouca expressão, ocupando cerca de 25 por cento da área total, principalmente com o olival (8,3 por cento), frutos secos (7,85), uvas (1,71), citrinos (0,12), sendo que as hortícolas representam apenas 1,55 por cento.

 

AGRICULTURA JOVEM

 

Rui Garrido, presidente da ACOS – Agricultores do Sul, considera que o modo de produção biológico (MPB) é o “mais sustentável do ponto de vista ambiental e de regeneração dos ecossistemas” e explica que, quer na agricultura, quer na pecuária, “implica a abolição do uso de produtos químicos de síntese - ou seja, que não ocorrem naturalmente -, como por exemplo fitofármacos, medicamentos e adubos de síntese, sendo que os que são autorizados, por serem de ocorrência natural, são menos nocivos para o ambiente, para os insetos, para o solo e, em última análise para o homem”.

 

Em declarações ao “Diário do Alentejo”, o presidente da ACOS assinala que “o número de agricultores convertidos ao MPB deve-se, em parte, à instalação crescente de jovens agricultores, com uma postura mais crítica e ativa em relação às questões ambientais”. Mas não só. O facto de “a PAC e o Ministério da Agricultura terem vindo a incentivar este modo de produção”, também ajuda, e é de prever “que o novo Quadro Comunitário reforce as ajudas a esta abordagem produtiva”.

 

No entanto, explica, “a agricultura e a pecuária em MPB geram menos receitas pelo facto de terem quebras, seja a nível da quantidade, seja da qualidade, porque não se consegue combater de forma tão eficaz pragas e doenças tanto nas culturas, como nos animais”. Em resultado disso existem “quebras de produção que, em muitos casos, podem ser muito expressivas”.

 

E dá como exemplo o olival e a vinha: “quando há uma forte pressão da mosca da azeitona, o fruto apodrece gerando azeites de muito má qualidade”. O mesmo se passa na vinha, quando há forte pressão de míldio ou de oídio. “Na produção animal estão autorizadas as vacinações e as desparasitações dos animais com os medicamentos convencionais desde que devidamente justificadas e tendo em vista a preservação do bem-estar animal. No entanto, há fortes limitações à utilização de outros medicamentos, como por exemplo os antibióticos e daí a existência dos apoios da PAC, como contrapartida a estas quebras de produtividade”, diz Rui Garrido.

 

A comercialização continua a ser um problema. “Apesar de haver uma crescente procura deste tipo de produtos, principalmente nos centros urbanos, os produtores têm sentido dificuldades em comercializá-los como biológicos. A principal razão é a falta de organização dos produtores tendo em vista a comercialização agrupada. Por razões que se prendem com a sua ainda reduzida expressão, tanto em número de produtores, como de quantidade de produção, não têm conseguido criar estruturas e estratégias de comercialização para defenderem as mais-valias que deveriam resultar da diferenciação deste tipo de produção. Para colmatar este problema é determinante a existência de políticas públicas que promovam a comercialização agrupada e diferenciada dos produtos resultantes do MPB”, conclui o presidente da ACOS.

 

BIOREGIÃO

 

Nos cinco municípios da margem esquerda do Guadiana (Serpa, Moura, Barrancos, Mourão e Mértola) existem 150 produtores biológicos. David Machado, responsável da Associação de Desenvolvimento Rural Rota do Guadiana, e entidade gestora do programa Leader na região, disse ao “Diário do Alentejo” que se tem assistido a um aumento do número de explorações “à boleia dos jovens” e que a tendência é para aumentar.

 

A criação da Bioregião da Margem Esquerda do Guadiana – só existem quatro a nível nacional - é a sequência lógica da aposta feita neste tipo de agricultura, nomeadamente, introduzindo fatores de discriminação positiva nos programas lançados. Neste momento estão a trabalhar na estratégia e plano de ação da bioregião, no quadro da qual está programada uma visita a Itália a uma experiência similar. No entanto, têm sido realizadas ações de formação para os agricultores, de promoção de produtos, em conjunto com a Agrobio e caracterização dos produtores.

 

David Machado confirma que “existem muitas pastagens, mas apenas alguns produtores têm os animais certificados”. Aliás uma das dificuldades apontadas é “o custo elevado para obter a certificação o que afasta principalmente os pequenos agricultores” desse objetivo.

 

A Rota do Guadiana integra ainda o Centro de Competências da Agricultura Biológica e dos Produtos em Modo de Produção Biológico (Ccbio), liderado pela Câmara Municipal de Serpa e que é participada por 34 entidades, entre elas a Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (Cimbal), o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, a Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural e vários centros tecnológicos e agroalimentares, universidades e politécnicos do país.

 

O objetivo do Ccbio é criar sinergias entre os vários protagonistas do sector, produzir informação técnica, promover a investigação e contribuir para a ligação entre a produção, a transformação e a comercialização dos produtos. No entanto, os promotores do projeto reclamam mais apoio da tutela para atingir os objetivos traçados e que, de alguma forma, tem “emperrado” a atividade.

 

SITUAÇÃO PREOCUPANTE

 

Jaime Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Agricultura Biológica, escreveu recentemente que “a situação atual da Agricultura Biológica em Portugal é preocupante, porque não tem crescido ao ritmo esperado”, apenas 6,1 por cento entre 2012 e 2018. Este valor contrasta com outros países europeus como, por exemplo a Espanha (27,9 por cento) e Áustria (19,9), e o valor da área em conversão é dos mais baixos na União Europeia.

 

O dirigente considera que “a confirmar a situação a falta de políticas de apoio; ou políticas de apoio erradas e enganadoras” – como é o caso da candidatura n.º 22/operação 3.2.1 / 2020, “em que basta que 50 por cento do investimento elegível proposto seja em modo de produção biológico ou pelo menos 50 por cento da área afeta à candidatura esteja certificada. Ora como é possível dizer que o investimento é em agricultura biológica quando basta investir 50 por cento do montante ou, pior, ter simplesmente uma parcela de terreno certificado e não fazer qualquer investimento”, questiona.

 

E conclui que, em Portugal, “o mercado tem vindo sempre a crescer e há uma necessidade também crescente de produção para o mercado de frutas e legumes e ainda de matérias-primas de base para a agroindústria”, como os cereais, o arroz ou as leguminosas. Isso faz com que as importações aumentem e que seja imperioso apostar na produção nacional.

 

INOVAÇÃO É PRECISO

 

Um estudo dirigido pelos investigadores do Instituto Superior Técnico (IST), Tiago Morais, Ricardo Teixeira e Tiago Domingos, concluiu que, em 2050, será impossível alimentar a Humanidade utilizando apenas o modo de produção biológico. No entanto, apontam como caminho para a resolução do problema a aposta na inovação e o recurso a animais. Explicam que a agricultura não produz o azoto que necessita para ser sustentável ao proibir o uso de fertilizantes de síntese. Mas defendem que este problema será ultrapassado se existir “investimento em inovação e eficiência na produção agrícola e animal, com redução do desperdício alimentar, diversificação de fontes de fertilizante orgânico e o recurso a energias renováveis”, lê-se no estudo. Para os investigadores do IST “a pecuária ajuda, pois os animais facilitam a produção biológica sustentável, quer devido ao aproveitamento de pastagens em áreas menos férteis para agricultura, quer para aproveitamento de desperdícios. Fornecem, através do estrume, parte do azoto necessário para as culturas agrícolas e um contributo direto para a alimentação humana”, nomeadamente, leite, ovos e carne. Um trabalho a desenvolver a dois níveis, já que na agricultura convencional, o seu desempenho em termos de emissões de gases com efeito de estufa se torna equivalente ao da agricultura biológica. “Assim, no futuro, mais do que escolher entre produtos biológicos ou convencionais, importará escolher produtos resultantes de uma forte inovação orientada para a sustentabilidade”, concluem.

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