Diário do Alentejo

Ambiente: ecossistema do Mira “está em risco”

01 de julho 2021 - 12:10

O caudal ecológico do Rio Mira está ameaçado. A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) solicitou à Associação de Beneficiários do Mira a tomada de “medidas necessárias à minimização” do corte de água a jusante da Barragem de Santa Clara-a-Velha, mas a entidade gestora local diz não ter essa obrigação e ainda não tomou medidas nesse sentido.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

No início do mês de junho, a Associação de Beneficiários do Mira (ABM) informou os habituais consumidores “precários” que este ano não poderia fornecer água para as pequenas explorações, hortas ou criação de animais nos concelhos de Odemira e Aljezur. Antes, a 31 de maio, os presidentes dos dois municípios, numa reunião com o ministro do Ambiente, o vice-presidente da APA e os diretores regionais da agência no Algarve e no Alentejo, manifestaram a sua “preocupação” face à situação e uso da Barragem de Santa Clara, nomeadamente, “a necessária garantia de abastecimento a partir de novo sistema de bombagem, respetivo financiamento” e a “urgência” no desenvolvimento de um plano de gestão e resiliência, bem como “investimento no reforço e otimização e redução de perdas” na rede de distribuição e medidas “justas e equilibradas para todos os utilizadores” da água “e não apenas para alguns”.

 

Em comunicado, os dois autarcas denunciaram que “uma parte substancial da água captada na Barragem de Santa Clara acaba por ser lançada ao mar em diversos pontos dos concelhos de Aljezur e de Odemira, nos terminais do Canal do Mira” e exigiram que fosse revista a posição sem privar ninguém dos atuais utilizadores no acesso à água”.

 

Recorde-se que, a nada ser feito, cerca de 150 habituais utilizadores fora do perímetro de rega – mas que há dezenas de anos usufruem desta água – verão postas em causa as suas explorações agrícolas ou pecuárias. Mesmo aqueles que não são “precários” foram informados que apenas terão direito a 3500 metros cúbicos de água por hectare, nesta campanha.

 

José Godinho Rocha, advogado e filho de um beneficiário da água, falando em nome do pai “e de muitos outros agricultores” disse ao “Diário do Alentejo” que a água disponibilizada “mal dá para fazer milho” quanto mais para dar de beber às cabeças de gado que por ali existem. Godinho Rocha afirma que é o “sistema ecológico do concelho” que está em questão e que a situação pode “hipotecar o futuro de muitas empresas agrícolas” e pôr em “perigo a existência de muitos animais, não só no litoral, mas no Baixo Alentejo” em geral.

 

Entretanto, a ABM, a quem pedimos esclarecimentos por email [sem resposta até ao fecho desta edição], citada pelo jornal “Público” garantiu que apenas cortará o abastecimento a quem tem alternativa da rede municipal e que vai assegurar o abeberamento dos animais.

 

CATÁSTROFE AMBIENTAL

 

A Junta de Freguesia de Santa Clara-a-Velha, num comunicado assinado pelo presidente Fernando Peixeiro e datado de 16 deste mês, afirma que tinha denunciado junto da APA que o caudal da água a jusante da albufeira estava drasticamente reduzido e fazia prever “uma iminente catástrofe ambiental”, pondo em causa a vida selvagem e a rega a partir do rio. Segundo este autarca, a situação arrasta-se desde o início do mês, mas apenas duas semanas depois é que a APA solicitou à ABM, que gere a barragem, que tomasse medidas para corrigir o problema.

 

No entanto, Fernando Peixeiro diz que a associação o informou que não é “obrigada a garantir o caudal ecológico”, alegação que a APA diz ser falsa. Entretanto, na passada terça-feira, o movimento Juntos Pelo Sudoeste (JPS) solicitou a várias entidades públicas uma reunião para discutir o problema de falta de água naquela região. Numa comunicação enviada a várias entidades, a JPS revela a existência de “novas evidências sobre o corte do caudal ecológico” cuja consequência é a “perda de qualidade ecológica e risco para a biodiversidade”.

 

Os ambientalistas dizem ser “urgente que as autoridades se debrucem seriamente sobre a situação do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, o perímetro de rega do Mira e as reservas da barragem de Santa Clara” e que “se desloquem ao terreno e vejam com os próprios olhos a situação de calamidade ambiental, causada por um uso irresponsável da água, que é um bem comum, nas mãos de uma entidade dominada pela indústria da agricultura intensiva”.

 

O movimento defende que, ao contrário do que disse o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, “não é possível continuar neste caminho cego de apoio à agricultura intensiva e manter ou aumentar o nível de irrigação, sob pena de causar a morte do rio Mira e colocar ainda em maior risco a sustentabilidade ambiental e social na região do Sudoeste de Portugal”.

 

Na missiva que André Matoso, diretor regional da APA no Alentejo, enviou à ABM, este responsável alertava para os “potenciais problemas que advirão” se nada for feito “com a máxima brevidade”, mas não foi dado um prazo para a resolução do problema.

 

O mesmo responsável chamou a atenção para “a situação do espelho de água que margina o núcleo urbano de Santa Clara”, já que este se encontra muito abaixo do normal, o que poderá causar “à criação de maus cheiros decorrentes da exposição dos sedimentos lodosos acumulados nas margens e fundos, bem como da morte da fauna aquática que depende da existência de água com níveis de oxigénio suficientes”.

 

A ABM exige o pagamento de 13.500 euros à junta de freguesia para garantir um caudal mínimo entre 15 de junho e 15 de setembro. Os dois municípios, numa carta enviada à APA, consideram que esta situação afeta “centenas de pequenos consumidores nos concelhos de Aljezur e de Odemira, na maioria pequenos empresários” e põe em risco pequenos negócios, hortas e a criação de animais em risco.

 

Também o movimento Juntos pelo Sudoeste, em maio passado, disse à APA que, ao mesmo tempo que “há pequenos proprietários que estão a ver o abastecimento de água cortado pela ABM”, continua a assistir-se ao aparecimento de “novas explorações gigantescas a serem montadas sob plástico”, acusando os gestores da albufeira de “apenas de garantir água barata para os grandes e água cara para os “pequenos”.

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