Diário do Alentejo

AR “chumba” proposta do suspender culturas intensivas

14 de junho 2021 - 11:00

A Assembleia da República “chumbou”, com os votos do PS, PSD, CDS, Chega e Iniciativa Liberal, e a abstenção do PAN, o projeto de lei apresentando pelo Bloco de Esquerda que pretendia regulamentar a instalação de culturas intensivas e superintensivas, em todo o país, assim como instituir a “obrigatoriedade” de avaliações de impacto ambiental.

 

Texto Marta Louro

 

Ricardo Vicente, deputado do Bloco de Esquerda, explica que o diploma “visava combater um processo de transformação abusiva de paisagem que está a decorrer em vários pontos do país, em particular no Baixo Alentejo, com a implementação de monocultura”.

 

O BE propunha, entre outras medidas, “a existência de uma carta de solos que obrigasse à existência de áreas máximas, por concelho, deste tipo de culturas intensivas e superintensivas, e que obrigasse à existência de infraestruturas que protegessem as linhas de água e as zonas ocupacionais”. Exigia, também, o “delineamento de medidas concretas contra a erosão dos solos e proteção de biodiversidade”, e “proibia as colheitas mecanizadas no período noturno”. 

 

Para o Bloco de Esquerda, o “território nacional tem sofrido grandes transformações ao nível agrícola e com repercussões diversas nas últimas décadas, algumas com impactos negativos a vários níveis, como é exemplo a contaminação de recursos hídricos, a erosão dos solos e o aumento da suscetibilidade das culturas e espaços rurais a fatores bióticos e abióticos”.

 

“A uniformização da paisagem com monoculturas quebra a resiliência do território e abre espaço para estragos e prejuízos gerados por pragas e doenças, secas e outros eventos extremos que se agravam com as alterações climáticas”, acrescenta Ricardo Vicente, segundo o qual ““transformar uma paisagem inteira, assim como consumir a quase totalidade da água do Alqueva, o maior investimento público em regadio que o país algum dia fez, são decisões que devem estar entregues à democracia, ainda mais quando essa transformação é tão significativa e consumidora de dinheiros públicos”.

 

“É preciso travar a expansão de modelos agrícolas que lesam o interesse público e iniciar um processo de transição ecológica agroflorestal e alimentar, que responda ao desafio das alterações climáticas, promovendo a soberania alimentar de forma democrática, porque todos temos o direito de decidir como são produzidos os nossos alimentos, sublinhou.

 

OLIVAL GASTA POUCA ÁGUA

 

Numa reação à proposta do Bloco, o presidente da Associação de Agricultores do Sul (ACOS), Rui Garrido, diz que boa parte das críticas às culturas intensivas, e em particular ao olival, não “correspondem à verdade” pois trata-se de “uma cultura que gasta pouca água. Numa altura em que se fala muito no uso eficiente da água, o olival é das culturas que menos água gasta, nomeadamente nas culturas permanentes”.

 

Por outro lado, Rui Garrido refere que o olival é, também, uma das culturas que “menos” produtos químicos utiliza. “É uma cultura muito adaptada à nossa região e, portanto, não vejo o porquê de as pessoas falarem tanto sobre este assunto”.

 

O presidente da ACOS recorda, ainda, que no final do mandato do anterior ministro da agricultura, Luís Capoulas Santos “foram suspensas” as ajudas [ao olival] no âmbito do Plano de Desenvolvimento Regional, “até que fosse feito um estudo sobre o impacto do olival na região”. O estudo coordenado pela EDIA aponta o olival “como uma cultura sem problemas, sustentável e bem adaptada”, mas apesar dos resultados estarem à vista, “a maior parte das pessoas continua a falar daquilo que são sabe”, acrescenta.

 

Já Gonçalo Almeida Simões, diretor executivo da Associação de Olivicultores do Sul (Olivum) considera que a proposta do Bloco de Esquerda (e votada favoravelmente pelo PCP e pelo partido Ecologista Os Verdes) “faz tábua rasa de todos os estudos que se conhecem, nomeadamente o estudo da EDIA, encomendado pelo Governo”.

 

“Nesta proposta” explica, “o BE alega que existem problemas ao nível dos recursos hídricos, mas as conclusões e considerações finais do estudo dizem que o olival é uma cultura perfeitamente adaptada à região do Alqueva, com baixas exigências hídricas”.

 

Outro aspeto apontado no projeto de lei e que, segundo o diretor executivo da Olivum “não coincide com o estudo”, diz respeito à complexidade do olival moderno, no que toca à gestão de pragas e doenças. “O estudo considera que o olival moderno tem boa resistência a pragas e doenças, e por isso, exige baixas quantidades de fitofármacos”.

 

Para Gonçalo Almeida Simões, o “que vemos aqui é uma série de críticas ao setor, por parte deste partido político, que já o fez no passado, e continua a fazê-lo”.

 

“FALTA FISCALIZAÇÃO”

 

Dirigente da Associação Zero em Beja, José Paulo Martins diz que, mais do que nova legislação, “falta fiscalização ativa e consequente nos espaços rurais, ou seja, vontade e pro-atividade das entidades competentes exercerem os seus deveres de fiscalização e de adoção de medidas sancionatórias que zelem pela reposição dos valores em causa, sendo efetivamente dissuasoras, conforme já previsto na lei”. Em declaração ao “DA”, o ambientalista defende a necessidade de existir “um processo de licenciamento obrigatório para empreendimentos agrícolas passíveis de gerar impactes significativos em bens públicos - nomeadamente no solo, recursos hídricos, biodiversidade e paisagem - e/ou passíveis de afetar o bem-estar das populações”. “A generalidade das monoculturas regadas em grandes áreas enquadra-se neste tipo de empreendimentos”, garante.

Comentários