Diário do Alentejo

Uma “rede de apoio” para doentes com esclerose múltipla

11 de junho 2021 - 09:40

A delegação de Beja da Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM) existe desde 2016, mas só em 2018 foi aceite a sua integração como parceira na Rede Social de Beja. Seguiu-se a eleição da coordenadora regional, em abril de 2019, já depois da tomada de posse de uma nova direção nacional. Sensivelmente dois anos depois de assumir o cargo, Susana Mata faz um balanço da atividade da delegação que visa dar resposta às necessidades dos doentes e famílias do Baixo Alentejo.

 

Texto Júlia Serrão

 

Como é constituído o vosso corpo técnico?

 

Somos quatro dirigentes efetivos, todos voluntários. Eu faço a coordenação. E temos mais três pessoas que nos apoiam. Neste grupo alargado de sete elementos temos duas enfermeiras, um técnico engenheiro civil da Câmara Municipal e uma administrativa. Ou seja, pessoas de várias áreas, todas portadoras de esclerose múltipla.

 

Que serviços são prestados pela delegação?

 

Inicialmente foi informar e promover o encontro entre pares, de forma a puderem partilhar experiências. Entre 2018 e 2019, fizemos palestras com oradores convidados.

 

E, no mês passado, conseguimos chegar mais ao terreno com o Projeto “Em Atividade”, financiado pelo Instituto Nacional para a Reabilitação (INR), com vista a trazer a atividade física para a vida dos doentes de esclerose múltipla. Para um doente neurológico em que a fadiga pode ser a única limitação, mas que condiciona bastante o seu dia a dia, a atividade física direcionada ajuda muito. Temos um grupo presencial em Beja para pessoas mais funcionais fisicamente e outro para pessoas com mais dificuldades. Para quem não está na cidade vamos ter sessões através da plataforma Zoom. Todas as terapias que tínhamos em Lisboa, na sede e na delegação, desde a psicologia à terapia ocupacional e à fisioterapia, com a pandemia passaram a chegar a todas as pessoas em todo o País. Entretanto, temos outro projeto para candidatura ao “Portugal Inovação Social” na área da empregabilidade: a “Alfaiataria do Cérebro”, em que o objetivo é apoiar as pessoas que querem trabalhar, não só do ponto de vista social mas também das terapias que precisam – ocupacional, psicologia, fisioterapia, terapia da fala – e, ao mesmo tempo, sensibilizar a sociedade e as entidades empregadoras. Tal como o projeto “Em Atividade”, é uma parceria entre a delegação de Beja e de Évora. Juntamo-nos para termos mais capacidade de intervenção e ser mais expressivos. Acreditamos que vai trazer mais-valias para o território e esperamos que seja um piloto para o resto do país.   

 

Quais são os maiores desafios que se colocam aos doentes do Baixo Alentejo e seus familiares?

 

O primeiro é conhecer a doença para saber as necessidades enquanto utentes, famílias e cuidadores, e conhecer o que pode ser a rede de apoio. Como em Beja ainda não temos muitos serviços, a delegação tem este papel de acompanhamento e orientação. Muitas vezes direcionamos as pessoas que nos chegam com determinadas necessidades para o nosso serviço social, pois a SPEM tem quatro assistentes sociais que funcionam a nível nacional e fazem o acompanhamento à distância. Depois temos a questão da interioridade, que em termos de cuidados médicos faz muita diferença. Por exemplo, o acompanhamento do serviço de neurologia em Beja não é o mais satisfatório, o que obriga a maioria dos doentes a ser acompanhado em outros hospitais, o que implica muitas deslocações não só para consultas como tratamentos. A falta de informação sobre a patologia ainda é um problema que continuamos a combater. O esclarecimento da sociedade sobre o que é a esclerose múltipla vai ajudar indiretamente o doente a não se esconder, porque ainda é isso que por vezes acontece. Quanto mais a sociedade estiver informada sobre a doença mais à-vontade o portador se vai sentir.

 

Que apoios existem e quais seriam desejáveis alcançar a curto prazo?

 

Os doentes têm acompanhamento num hospital público, onde o médico tem a liberdade de prescrever o tratamento que melhor se adequa a cada um. E, recentemente, resolveu-se um problema pendente que era trazer a medicação à proximidade do utente, a sua casa ou à farmácia comunitária mais próxima. Em termos de reabilitação estamos um bocadinho aquém das necessidades, pois esta fica condicionada à disponibilidade dos técnicos a nível do SNS, dando-se prioridade à reabilitação urgente. E, muitas vezes, não há recursos para que a pessoa possa, a título particular, poder compensar essa falha. A terapia da fala e a ocupacional são duas áreas onde também ainda há muito por fazer. Muitas vezes, a dificuldade de comunicação acaba por ser o fator que obriga a pessoa a se esconder em casa.

 

Que ajudas locais podem contribuir para melhorar a qualidade de vida dos doentes e das suas famílias?

 

Desde 2016 que estamos a batalhar por um espaço físico onde possamos receber os doentes e as suas famílias na privacidade que a problemática exige, e ter técnicos a trabalhar. Mas ainda não conseguimos! Tem de ser um espaço adaptado a todos os níveis, ou seja, não só com acessibilidade na entrada, mas também no seu interior, pois temos pessoas com bastantes incapacidades. Neste momento temos um protocolo com a Junta de Freguesia Salvador e Santa Maria para utilização da antigo escola do Bairro da Conceição, em Beja, que utilizamos como um espaço partilhado, o que já é uma excelente ajuda, e estamos gratos, mas precisamos de um lugar sem as condicionantes que aqui se colocam.

 

550 DOENTES EM TODO O ALENTEJO

 

A esclerose múltipla é uma doença neurológica crónica de evolução progressiva e incapacitante que se estima afetar 8 mil pessoas em Portugal. Embora se acredite que muitas estejam por diagnosticar. Segundo dados da Administração Regional de Saúde do Alentejo (ARS), em 2019  havia cerca de 550 doentes em todo o território. “À volta de 140 no Baixo Alentejo”, refere Susana Mata, explicando que este número “não é real”, uma vez que “não contempla muitas pessoas que são acompanhados fora da região e, logo, não estão registadas em nenhum processo no Alentejo”.

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