Diário do Alentejo

“Falta lóbi político ao Baixo Alentejo”

21 de maio 2021 - 14:20

Na perspetiva de Filipe Pombeiro, a questão é simples: falta ao Baixo Alentejo “um lóbi político em que os responsáveis, quando se trate de projetos estruturantes da região, não tenham partido”. Sem isso, sem essa influência política, assegura, “continuaremos a ver projetos voarem para outras regiões”.

 

Texto Luís Godinho e Marta Louro

 

Na sua última entrevista ao “DA” enquanto presidente do Núcleo Empresarial do Baixo Alentejo/Associação Empresarial do Alentejo Litoral (Nerbe/Aebal), cargo que ocupou nos últimos nove anos, Filipe Pombeiro defende a urgência de serem “tomadas políticas públicas que promovam” o aeroporto de Beja, como a construção das acessibilidades ferroviárias e rodoviárias “que a região precisa, merece e há muito que já justifica”. Embora assumindo não ser um “regionalista convicto”, sublinha que os últimos anos o têm feito mudar de ideias: “Fico com a sensação que o Baixo Alentejo beneficiaria de regiões administrativas, porque teria o poder de defender regionalmente os seus interesses”.

 

Qual o balanço que faz do trabalho realizado?

 

Penso sempre que serão os nossos associados a fazer o balanço destes três últimos mandatos, cujos resultados se devem a toda a direção e nunca apenas à minha pessoa. No entanto, na minha opinião, trabalhámos o melhor que pudemos e que soubemos, em prol da associação e do tecido empresarial do Baixo Alentejo e do Alentejo Litoral. Nestes nove anos muito foi feito, no apoio às nossas empresas ao nível da sua capacitação e internacionalização e penso que projetámos o Nerbe/Aebal a nível institucional, como uma das entidades privadas de referência da região.

 

O que deveria ter feito, ou não conseguiu fazer?

 

A falta de tempo ou os mandatos serem curtos são sempre desculpas para nos eternizamos nos cargos porque existe sempre algo mais a fazer. Não é o que eu penso, há com certeza muito por fazer, deixámos vários projetos em curso, desde logo o Centro de Incubação de Base Tecnológica [projeto de 698 mil euros, anunciado em novembro de 2020], mas também projetos ao nível da inovação, empreendedorismo e internacionalização que seguramente a direção que se segue se encarregará de levar a bom porto.

 

O que falta fazer na região?

 

Faltam várias coisas, mas também devo dizer que a região está hoje muito mais forte do que há nove anos atrás. Não há dúvida nenhuma que o Alqueva trouxe uma dinâmica económica que não existe e fatores de competitividade bastante significativos. Neste domínio, precisamos ainda de subir na cadeia de valor, passar do setor primário para o secundário, em várias fileiras, à semelhança do que já acontece com o vinho e com o azeite. Só assim traremos mais valor acrescentado para a região. Mas faltam acessibilidades ferroviárias e rodoviárias, falta um aproveitamento muito maior do aeroporto, falta atrair mais investimento, que não esteja só relacionado com o agronegócio. Penso que são estes os fatores mais relevantes, faltando principalmente um verdadeiro lóbi da região, à semelhança do que existe em tantas outras regiões, em que, independentemente da cor de quem está no Governo, defenda intransigentemente a sua região.

 

Como vê a situação do aeroporto de Beja?

 

Vejo com apreensão, mas, ao mesmo tempo com otimismo. É preciso não esquecer, que as expetativas iniciais que nos passaram eram completamente irrealistas. No entanto, a vertente industrial está a fazer o seu caminho de crescimento, a vertente de passageiros terá no curto prazo um maior aproveitamento se, conforme pensamos, for feito um aproveitamento de complementaridade à Portela (sobretudo nesta altura em que a procura é bastante menor) e a Faro. Também a valência da carga, será importante numa perspetiva de longo prazo, à medida que as produções de produtos transacionáveis aumentem, bem como, no aproveitamento de voos mistos de carga e passageiros.

  

O que ainda deve ser feito?

 

Há muito que defendemos que deverão ser tomadas políticas públicas que promovam o aeroporto. O melhor exemplo destas políticas será a construção das acessibilidades ferroviárias e rodoviárias, que a região precisa, merece e há muito que já justifica. Necessariamente, os agentes locais e a própria empresa que gere o aeroporto, devem encetar todos os esforços necessários, para atrair mais industriais para o aeroporto, à semelhança da Hy Fly/Mesa. Depois, há um trabalho a fazer ao nível dos operadores e de ‘marketing’ para criar rotas e destinos que passem pela nossa região. Estamos aliás a trabalhar num projeto a este nível, que esperamos ter resultados a breve trecho.

 

A vocação industrial do aeroporto tem sido sublinhada por várias entidades nos últimos tempos. Como é que se pode concretizar?

 

O aeroporto de Beja tem condições únicas para a vertente industrial, penso mesmo que será o melhor aeroporto do país nesta valência. A sua concretização passa, como já referido, por captar novas indústrias e novos ‘players’. Neste sentido a ANA Aeroportos terá de ter um papel fundamental não só de captação como de criação de condições de trabalho eficientes e ágeis para estas empresas. Também a Câmara de Beja e outros intervenientes da região, onde se inclui o Nerbe, deverão trabalhar muito nesse sentido.

 

A vertente industrial deverá ser a principal vocação do aeroporto de Beja?

 

Nós vemos o aeroporto nas suas três vertentes: indústria, passageiros e carga. Mas não há dúvida nenhuma que a vertente de indústria é a que está mais avançada e que, pelo menos no curto prazo, será a sua vocação principal.

 

Inaugurado há 10 anos, este foi um tempo perdido para o aeroporto? Por culpa de quem?

 

Pelo menos os primeiros cinco anos foram desperdiçados, por falta de condições para operar, seja por falta de licença, por taxas elevadas, por preços de combustíveis desajustados, embora no passado mais recente tenhamos alguns bons exemplos, sobretudo ao nível da indústria, mas também nos passageiros. É preciso dizer que é um prazo muito curto para se fazer um balanço de um aeroporto. Seguramente daqui a 10 anos teremos outra imagem do aeroporto de Beja. Não me compete a mim apontar culpados, tenho a minha opinião, mas, fundamentalmente, penso que estamos a tempo de inverter este processo.

 

Muitas vezes parece faltar voz ao Baixo Alentejo, a nível político. Partilha essa opinião?

 

Partilho dessa ideia. Conforme já referi, penso que falta um lóbi político em que os responsáveis, quando se trate de projetos estruturantes da região, não tenham partido. Todos temos responsabilidade nesta matéria, mas não há dúvida nenhuma que há decisões que são apenas influenciadas pelos nossos responsáveis políticos e, como tal, ou exercem a sua influência politica a uma só voz ou, então, continuaremos a ver projetos voarem para outras regiões. Das situações que mais me afligem é ouvir responsáveis políticos regionais questionarem os nossos projetos, a necessidade que temos das acessibilidades, que tanto temos reivindicando, nós, os movimentos de cidadania, eu diria mesmo, a população em geral.

 

A regionalização do país seria uma resposta a esses problemas?

 

Eu confesso que não sou um regionalista convicto. Mas, nestes últimos anos fico com a sensação que o Baixo Alentejo beneficiaria de regiões administrativas, porque teria o poder de defender regionalmente os seus interesses já que, apesar dos sucessivos governos referirem a importância que dão à coesão territorial e à diminuição das assimetrias regionais, a verdade é que assistimos continuamente à generalidade dos investimentos serem feitos no litoral e nos grandes centros urbanos.

 

Como é que se consegue atrair investimento para a região?

 

Criando um verdadeiro clima de apoio à fixação de empresas. As regiões competem entre elas, por investimentos, porque é a atividade económica que fixa pessoas e não os equipamentos que cada cidade tem. Neste sentido, desde a facilitação de terrenos para instalar as suas empresas a um célere licenciamento, a taxas que sejam suportáveis e a investimentos fiscais de discriminação positiva, [tudo isso são apoios] importantes para este desígnio.

 

O Nerbe/Aebal representa também as empresas do litoral alentejano, mas essa representação é efetiva?

 

Nós pensamos que a sua representação é bastante efetiva. Não achamos que essa representatividade dependa do número de associados que temos, mas sim do que fazemos em sua representação. De nada nos serviria ter milhares de associados se depois não existisse qualquer ligação entre empresas e associação, ou que não fosse feito nenhum trabalho em prol dos mesmos. Ainda assim, respondendo à sua pergunta, temos neste momento cerca de 270 associados, sendo que, devido à sua dimensão, representa uma parte importante do produto da região.

 

O Baixo Alentejo tem-se afirmado como uma região exportadora. Quais os projetos em que o Nerbe tem estado envolvido e quais os resultados obtidos?

 

O Baixo Alentejo é de facto uma região exportadora, temos crescimentos bastante significativos anuais ao nível da nossa balança comercial, com um contributo bastante expressivo para o total nacional. Fizemos nestes nove anos vários projetos de internacionalização, fizemos missões empresarias, trouxemos promotores de outros países à nossa região e ficamos muito satisfeitos por podermos ter contribuído para os processos de internacionalização de muitas empresas da região.

 

Quais as metas para o futuro próximo?

Ao nível da associação empresarial, penso que se deverão consolidar algumas das propostas que temos nos nossos domínios de intervenção e no curto prazo, como objetivo principal, terminar as obras do Centro de Incubação de Base Tecnológica, porque será um equipamento de extrema importância para novas iniciativas empresarias que surgirão na retoma desta crise.

 

Em que é que o seu sucessor deve apostar? Deve seguir a linha de trabalho deixada por si?

 

Essa pergunta deve ser dirigida ao David Simão… conhecendo-o como conheço, penso que não precisa de seguir nenhum caminho, fará com certeza o seu próprio caminho, com as suas ideias e com o projeto que sei que tem para a associação, não descurando os projetos que temos em curso.

 

Quais as maiores debilidades do tecido empresarial da região?

 

As debilidades das nossas empresas são iguais às do resto do país e têm sobretudo a ver com a sua pequena dimensão. Em alguns setores mais tradicionais, a interioridade é uma desvantagem que acentua o problema da dimensão mas, penso que temos muitos bons exemplos de boas empresas e de excelentes empresários.

 

Na reta final do seu último mandato está a lidar com uma pandemia que ninguém esperava. Como está a ser “sobreviver” a essa situação?

 

Reinventando modelos de negócio, com abnegação, com muito trabalho e esforço. Esperemos ter chegado ao ponto de viragem e que o pesadelo tenha finalmente acabado.

 

Como se “ampara” as empresas da região perante um “inimigo” que ninguém conhece?

 

Tentando ajudar em tudo o que está ao nosso alcance. Por um lado, fazendo chegar informação semanal útil, com as medidas que existem para mitigar a crise [desencadeada pela pandemia]. Por outro lado, junto das entidades de cúpula, como a Confederação Empresarial de Portugal (CIP), dar a conhecer as nossas preocupações para que as mesmas possam chegar a quem decide. Por último, denunciando sempre que consideramos apropriado casos com os quais não podemos estar de acordo, como por exemplo a nosso último comunicação em relação à não passagem para a terceira fase de desconfinamento dos concelhos de Moura, Barrancos e Odemira.

 

Como tem acompanhado os problemas com os imigrantes em Odemira, que existem também em Beja? Houve uma falha do Estado?

 

Com muita preocupação porque devemos ter sempre o maior cuidado com a vida humana. Mas não nos podemos esquecer que não é uma situação nova e que houve uma falha do Estado ao não impedir as situações extremas, sempre que as mesmas existem.

 

O que deve ser feito?

 

É preciso não confundir as coisas, não diabolizando a agricultura e os empresários, porque não são eles o problema. Precisamos de uma agriculta forte, moderna e ainda assim sustentável e amiga do ambiente e, antes mais, que se preocupe com o bem-estar de todos os trabalhadores. O que tem de ser feita é uma fiscalização aos movimentos que existem, às empresas que trazem estes trabalhadores, normalmente da mesma nacionalidade destes trabalhadores, porque são esses os principais responsáveis por estas situações. Sem querer tirar a responsabilidade de supervisão por parte de quem contrata, cabe às autoridades legislar e fiscalizar para que situações destas não possam acontecer.

 

Deve existir um trabalho de integração dos imigrantes por parte das autarquias e comunidades locais?

 

Com certeza que sim, com o próprio Instituto de Emprego e Formação Profissional, com as associações setoriais e regionais, para que estas pessoas, que têm já trabalho todo o ano, mesmo que em diferentes empresas, possam por cá ficar, integrarem-se nas nossas comunidades e ter acesso ao mesmo nível de vida que os demais habitantes.

 

Em matéria de ferrovia, consolidada a eletrificação da linha a Casa Branca, em que medida a ligação ao Algarve é importante para a região?

 

É extremamente importante numa visão sobretudo de coesão territorial. Com a chegada a Beja, temos meio problema resolvido. Falta ligar a região ao Algarve para potenciar uma interligação entre as duas regiões.

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