Diário do Alentejo

INE: Concentração de propriedade aumenta no Alentejo

15 de abril 2021 - 10:20

Nas últimas duas décadas o número de explorações agrícolas na zona agrária do Alentejo teve uma redução de 13,3 por cento. Por outro lado, a dimensão média das explorações registou um aumento de 28,5 por cento. João Dias afirma que estes números revelam “o abandono da atividade agrícola pelos pequenos agricultores” e “a concentração da terra nas mãos do grande agronegócio”; Pedro do Carmo diz que “ainda não estamos num patamar preocupante”, mas avisa que “o amor à terra é importante” e, portanto, “é necessário que as pequenas explorações não desapareçam”.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

O número de explorações agrícolas na região do Alentejo desceu 13,3 por cento, tendo este movimento sido acompanhado por um aumento da média por exploração da Superfície Agrícola Utilizada (SAL) de 28,5 por cento, sendo agora de 68,9 hectares. Os dados resultam de uma análise do “DA” à informação estatística constante do Recenseamento Geral Agrícola. O número de explorações cadastradas é de 31 131, distribuídas pela SAU total de 2 144 066 hectares: menos propriedades, mas maiores; menos pequenos agricultores, mais agronegócio.

 

Para Pedro do Carmo, deputado do PS e presidente da Comissão Parlamentar de Agricultura e Mar, esta realidade resulta do “impacto do regadio” e da necessidade de dar “viabilidade económica às explorações”. No entanto, o deputado socialista considera que os números agora divulgados pelo INE “não são muito preocupantes” e que “ainda não estamos num patamar insustentável”.

 

Para João Dias, deputado do PCP, os dados revelados apurados pelo “DA” confirmam “o abandono da atividade agrícola pelos pequenos agricultores e agricultores familiares e o crescimento das grandes explorações, a que se associa a concentração da terra nas mãos do grande agronegócio”, o que é visto com “preocupação” pelo PCP. Acresce que, no que diz respeito à mão-de-obra, a nível nacional, se assistiu a uma “retração em 15 por cento”, que o deputado comunista associa à “redução do trabalho familiar”, que passa de 80 para 68 por cento, “aumentando o trabalho assalariado, muitas vezes em condições de muito elevada precariedade”.

 

Por seu lado, Pedro do Carmo olha para o sistema de monoculturas, cada vez mais predominante no Baixo Alentejo, e vê “defeitos e virtudes”. Para o deputado socialista, apesar de tudo, este modelo de exploração agrícola “na zona do Alqueva permite a diversidade de culturas e é responsável pela criação de muitos postos de trabalho”. “Há que estar atento aos sinais e trabalhar para que as pequenas explorações não desapareçam”, diz. “O amor à terra é importante e o agronegócio tem outros interesses”.

 

Para João Dias, este “retrato” resulta das políticas agrícolas seguidas por sucessivos governos do PS, PSD e CDS-PP”, que protegeram “o grande agronegócio, secundarizando a pequena e média agricultura e a agricultura familiar”. No entanto, o deputado comunista diz não se poder “concluir que sejam as potencialidades, propiciadas pelas obras hidroagrícolas, as responsáveis pelas opções seguidas no setor agrícola. Em particular no Alentejo, obras como o Alqueva são determinantes para a vida das populações”. Mas, “estas opções políticas” comprometem “a soberania alimentar do país, visam a produção para o mercado, concentrando a terra e abrindo mão da desejável diversidade de culturas e de explorações agrícolas, elemento importante na povoação e dinamização dos territórios”, acusa.

 

Joaquim Lopes, da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), diz que os números revelados pelo INE “mostram a profunda alteração ao nível da estrutura fundiária e económica da região, fundamentalmente fruto da falta de planificação estratégica de Alqueva”, o que leva a um “perigoso confinamento” às culturas intensivas e transforma “as povoações numa espécie de pequenos campos de concentração onde vivem uns seres humanos cercados por fantasmas”.

 

Joaquim Lopes mostra o seu pessimismo antevendo “um tempo de exploração cujo horizonte não ultrapassa os 30 anos, porque sendo fundamentalmente propriedade de capital financeiro com uma liberdade de movimento mundial enorme, depressa nos deixará o cancro e mudará de continente como, aliás, fez antes noutros locais”.

 

MENOS PEQUENAS EXPLORAÇÕES

 

No que diz respeito à região agrária do Alentejo, o número de muito pequenas explorações – com faturação anual inferior a oito mil euros – baixou, na década de 2009 a 2019, de 20 351 para 16 352, uma quebra de 20 por cento. Já as empresas com faturação superior a 100 mil euros subiram de 2296 para 3720, um aumento de 62 por cento.

 

Em termos nacionais, “o aumento da dimensão média das explorações não resultou de uma concentração fundiária em grandes unidades produtivas, que não registaram alterações significativas quer em número quer na respetiva SAU, ficando principalmente a dever-se ao efetivo redimensionamento das explorações de média dimensão”, assegura fonte do INE.

 

O Recenseamento Agrícola 2019 recenseou 290 mil explorações agrícolas, menos 15 mil que em 2009, o que corresponde a uma redução de 4,9 por cento. Por outro lado, a SAU aumentou 8,1por cento face a 2009, passando a ocupar 3,9 milhões de hectares (43 por cento da superfície territorial). A dimensão média das explorações aumentou 13,7 por cento, passando de 12,0 hectares em 2009 para 13,7 hectares de SAU por exploração, número que é cerca de um quinto do valor apurado no Alentejo (68,5 ha).

 

O relatório revela ainda que, fruto da “intensificação da empresarialização da agricultura”, assistiu-se a um aumento da dimensão económica, gerando em média, cada exploração, 23,3 mil euros, mais 8,1 mil euros do que há dez anos.

 

“REFORÇO DA ESPECIALIZAÇÃO”

 

Os dados do Recenseamento Geral Agrícola, elaborado pelo INE, permitem constatar um “reforço da especialização”, com as explorações especializadas a subirem sete por cento, mas com o valor gerado a crescer 50 por cento. As culturas permanentes aumentaram 24,6 por cento; o regadio cresceu 16,6 por cento, beneficiando 69,7 por cento dos pomares de frutos frescos, 11,5 por cento dos pomares de casca rija, 31,7 por cento dos olivais e 27,8 por cento das vinhas. Na pecuária os efetivos de gado bovino aumentaram 10,6 por cento e o suíno 15,7 por cento. O “Diário do Alentejo” tentou junto da EDIA obter um comentário ao relatório do INE, mas até ao fecho da edição não obtivemos qualquer resposta. A Associação Agricultores do Sul – ACOS, está a avaliar os dados do INE e promete tomar posição dentro em breve.

Comentários