Diário do Alentejo

Transvase do Guadiana para o Algarve “coloca em causa” o Alqueva

08 de abril 2021 - 11:40

A captação de água no Guadiana para suprir as carências do sota-vento algarvio é uma das medidas apontadas no Programa de Reestruturação e Resiliência que Portugal apresentou à União Europeia. A solução é contestada por agricultores do Baixo Alentejo e, segundo a Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA) “pode colocar em causa a viabilidade do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva (EMFA).

 

Texto Aníbal Fernandes

 

O Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve (Preha), entre outras medidas, defende que o reforço das “afluências à albufeira de Odeleite através de uma captação no rio Guadiana” é fundamental para minimizar a situação de seca extrema que aquela região padece de forma regular e se tem acentuado nas últimas décadas em resultado das mudanças climáticas verificadas. Por seu lado, o Plano de Reestruturação e Resiliência (PRR), que visa identificar as necessidades do país e definir o investimento da “bazuca” no pós-pandemia assumiu esse objetivo.

 

Esta é uma solução semelhante à que propôs, em 2006, Carmona Rodrigues, ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, entre abril de 2003 e junho de 2004, num governo chefiado por Durão Barroso: a construção de uma conduta com 35 quilómetros de extensão e 1,2 metros de diâmetro entre o Guadiana e a albufeira de Beliche.

 

A EDIA, questionada pelo “Diário do Alentejo”, afirma que “quando surgiram as primeiras notícias sobre esta proposta transmitiu à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) a sua enorme preocupação com esta solução, por colocar em causa a viabilidade do EFMA, nos termos em que foi aprovado”.

 

Também a Associação de Proprietário e Beneficiários do Alqueva (APBA), em comunicado, argumenta que podem estar em causa “avultados investimentos particulares que muito contribuem tanto para o desenvolvimento regional, como para a geração de riqueza ao nível regional e mesmo nacional”, já que esta captação não permitirá ao EMFA garantir água em períodos de três anos de seca como agora acontece.

 

Facto que a EDIA confirma perspetivando que “na grande maioria dos anos, não existirá escoamento disponível neste troço do rio para o efeito pretendido, a menos que se proceda à libertação de água para esse fim, colocando em causa as disponibilidades hídricas do empreendimento, já comprometidas com toda a área de regadio e também a subconcessão para produção de energia”, acrescentando que “nos anos em que se possa registar a disponibilidade de volumes adicionais aos já comprometidos, estaremos perante anos húmidos, em que o Algarve não necessitará de qualquer reforço ao abastecimento.

 

A EDIA encontra-se ainda “obrigada a libertar os volumes relativos ao cumprimento do regime de caudais ecológicos, a assegurar na secção do Pomarão por adequadas medidas de gestão do sistema Alqueva-Pedrógão sendo que este regime de caudais ecológicos constitui igualmente um compromisso do Estado português perante a Comissão Europeia, subjacente ao financiamento do empreendimento”.

 

ALTERNATIVA

 

Quer a APBA quer a EDIA não se limitam a criticar a solução apontada. Os agricultores garantem existir “outras alternativas de localização para instalação de captações de reforço às disponibilidades tanto das albufeiras de Odeleite-Beliche como de Odelouca”.

 

A EDIA sugere que a solução poderia passar pela “integração, apenas em cenários de escassez, de parte das afluências da ribeira da Foupana, afluente da ribeira de Odeleite, no Aproveitamento Odeleite-Beliche”, já que esta ribeira “tem uma bacia drenante com uma área total de 410 km2, correspondendo-lhe afluências anuais médias da ordem de 41 hm3, superabundantes para a ordem de grandeza do reforço em equação - reforço esse que, mesmo já atendendo aos cenários de alterações climáticas, não será necessário de modo sistemático, ocorrendo previsivelmente no seguimento de alguns anos de muito fracas escorrências”.

 

Por isso, considera a gestora da infraestrutura, “uma solução expedita seria a da construção de um pequeno açude móvel, localizado a cerca de 200 metros a jusante da confluência do barranco do Pombal com a ribeira da Foupana, explicando que “este açude móvel com o plano de água cerca da cota 18 e menos de 15 metros de altura máxima e com cerca de 150 metros de desenvolvimento pelo coroamento, teria, face à sua tipologia e pequena dimensão, impactes minimizados - sendo basicamente materializado por uma soleira descarregadora com altura inferior a 5 metros, dotada de comportas de segmento, ou no limite, pneumáticas, possibilitando a passagem do transporte sólido e a minimização da submergência de áreas ribeirinhas em caso de cheia. A ligação à albufeira de Odeleite - e que está a uma distância da cerca de 2,5 quilómetros em linha reta deste novo plano de água a ser criado - seria feita através de um circuito hidráulico elevatório cujos encargos de elevação poderiam ser compensados pela instalação de uma central fotovoltaica”.

 

Uma solução em que “os encargos e prazos de execução associados seriam bem menores”, assegura a EDIA.

 

QUESTÕES FRONTEIRIÇAS

 

Acresce que existe um elefante na sala que ninguém parece querer saber. É que esta proposta, para além do mais, tem “implicações nas questões transfronteiriças”, admite a EDIA.

 

A APBA, através do presidente da direção, João Cavaco Rodrigues, diz que “é do conhecimento público” a existência de uma captação espanhola em Boca-Chança, localizada junto à povoação de Pomarão, com uma autorização provisória de Portugal desde 2008, que a Espanha tentará regularizar como moeda de troca ficando “Portugal ainda mais prejudicado” por ficar numa “posição de fragilidade”.

 

Francisco Palma, também da direção da APBA, em declarações ao “Diário do Alentejo”, acusa os espanhóis de “roubo generalizado” deste recurso, muito por culpa da APA: “vigiamos as fronteiras para as pessoas não passarem, mas não se protegem os recursos que são roubados pelos espanhóis”, afirma. Para além disso, ainda segundo Francisco Palma, a APA não investe meios na contabilização das águas que escorrem das ribeiras para o Guadiana e que deveriam ser descontadas ao caudal ecológico que a EDIA é obrigada, por contrato, a manter no grande rio do Sul. “Gasta-se mais água no caudal ecológico do que é usado pelos agricultores” no perímetro de rega do Alqueva, garante.

 

Em última análise, devido à complexidade técnica do projeto, “pode ainda acontecer que se afete a viabilidade do EFMA apenas em favor do reforço das disponibilidades de água para a Andaluzia, não conseguindo em tempo útil avançar com o projeto de reforço de disponibilidades para o Algarve”, alertou APBA em comunicado.

 

O “Diário do Alentejo” contactou o Ministério do Ambiente e da Ação Climática, mas até ao fecho da edição não obteve resposta às questões colocadas.

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