Diário do Alentejo

Formação: Número de licenciados duplica no Alentejo

15 de março 2021 - 17:00

 

Texto Luís Miguel Ricardo

 

É a geração mais preparada de sempre a chegar ao mercado de trabalho. 38,1 por cento da população alentejana com idades compreendidas entre os 25 e os 34 anos tem formação de nível superior. É o dobro do que ocorria em 2011. A melhor formação escolar de quem dá os primeiros passos no mercado de trabalho pode ser igualmente aferida ao compararmos a taxa de licenciados entre os 25 e os 34 anos (38,1 por cento) com a do escalão etário seguinte, dos 35 aos 64 anos (17,4 por cento).

 

De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), a taxa de escolaridade ao nível de ensino superior no Alentejo, e na faixa etária dos 25 aos 34 anos, é particularmente significativa nas mulheres (46,9 por cento têm licenciatura), baixando no caso dos homens para 29,5 por cento (que, ainda assim, corresponde a uma melhoria de 16 pontos percentuais comparativamente com 2011).

 

O Instituto Politécnico de Beja (IPBeja) apresenta-se como uma das principais instituições de formação superior na região e uma das responsáveis diretas pelos números apresentados pelo INE. Com um universo permanente de cerca de 3 200 alunos, dos quais mais de metade oriundos da região Alentejo, disponibiliza anualmente para o mercado de trabalho mais de três centenas de diplomados.

 

Para João Leal, vice-presidente do IPBeja e responsável pelo departamento académico da instituição, o universo laboral absorve a grande maioria dos alunos formados no Instituto. Uma perspetiva que é alicerçada em números. “Temos um trabalho interno no sentido de contactar os alunos diplomados, e para além disso temos os dados publicados pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência e pelo ‘site’ Infocursos que mostram que o desemprego dos nossos ex-alunos tem taxas residuais. A taxa de desemprego dos alunos de enfermagem é de 0,0 por cento. O curso de desporto apresenta apenas 3,3 por cento dos formados sem emprego ou que procuram trabalho através dos centros de emprego; o curso de Engenharia Informática apresenta uma taxa de desemprego de 4,3 por cento. O curso que temos com taxa de desemprego mais elevada é Serviço Social com 8,4 por cento, ainda assim um valor abaixo da média nacional (que é de 8,5 por cento)”.

 

Um cenário que, segundo João Leal, se deve essencialmente às estratégias adotadas pelo Politécnico no sentido de fazer pontes entre a formação académica e o contexto laboral da região. Um processo que passa pelo “levantamento das necessidades existentes. Quando se propõem novos cursos, as propostas têm de ir com uma justificação da importância e do impacto desses cursos no mercado de trabalho, sendo a proposta acompanhada de um conjunto de pareceres das entidades empregadoras, a declarar que aceitam os nossos alunos para estágio”.

 

Todos as licenciaturas possuem estágios com períodos que variam entre os três meses e um ano, sendo a grande maioria desenvolvida em empresas locais e regionais. “Após a realização dos estágios, passamos um questionário aos alunos e às empresas de acolhimento, procurando saber qual o grau de satisfação relativamente às competências técnicas especificas dos cursos e às competências transversais. E os resultados que temos são muito animadores, porque a sua grande maioria, se não a totalidade, manifestam que os alunos têm boa formação e estão satisfeitíssimos com os seus desempenhos, acabando muitos deles por ficar integrados nessas empresas”, revela João Leal, acrescentando que são várias as empresas que tomam a iniciativa de entrar em contacto com o IPBeja a solicitar alunos para a realização de estágios.

 

LICENCIADOS DESEMPREGADOS

 

No fim do mês de janeiro de 2021 – não há ainda dados relativos a fevereiro – estavam registados nos serviços da Delegação Regional do Alentejo do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) 1 313 desempregados licenciados, num total de 18 426 pessoas à procura de emprego. Há mais licenciadas (66,7 por cento) do que licenciados à procura de trabalho. Sendo que relativamente ao total de desempregados registados, o peso dos desempregados licenciados era de 7,1 por cento.

 

“A área de formação predominante dos desempregados licenciados inscritos no Alentejo é a área das ciências sociais, destacando-se a gestão e administração, trabalho social, turismo e lazer, sociologia”, sublinha Arnaldo Frade, delegado regional do IEFP.

 

São números que se agravaram com a grave crise económica resultante da pandemia, tendo os desempregados licenciados seguido a tendência de aumento de inscritos nos centros de emprego. “A variação homóloga [comparando com janeiro 2020] é de mais de 18,1 por cento no total de desempregados inscritos; e de mais 10,6 por cento nos desempregados licenciados”, revela o mesmo responsável.

 

Face aos números, o IEFP, seguindo a sua missão de “promover a criação e a qualidade do emprego e combater o desemprego”, apresenta várias propostas para alterar a situação, sendo que para o caso específico dos licenciados, as medidas passam essencialmente por estágios e formação. “Os estágios visam apoiar a inserção profissional dos destinatários, através do desenvolvimento de uma experiência de formação prática em contexto de trabalho. A formação poderá ter como objetivo uma reconversão profissional: os cursos de especialização tecnológica permitem a obtenção de uma qualificação de nível 5 em áreas profissionais bastante procuradas pelo mercado; ou ser complementar à licenciatura: formação em línguas estrangeiras ou na área das Tecnologias de Informação e Comunicação”.

 

Arnaldo Frade destaca ainda o Programa Jovem + Digital destinado a jovens com habilitação de nível secundário ou superior, que visa o desenvolvimento de competências digitais em tecnologias e aplicações digitais, com vista a uma maior qualificação do emprego e à resposta a necessidades atuais e futuras do mercado de trabalho.

“O plano de emprego não consiste numa resposta, mas sim na definição da estratégia para a resolução da situação de desemprego negociada com a pessoa desempregada”, acrescenta o delegado regional do IEFP, revelando que o ano passado “registaram-se 272 colocações de desempregados licenciados na região, o que equivale a 7,3 por cento do total das colocações efetuadas”.

 

“O Alentejo é uma região onde os investimentos em determinados setores se têm destacado, tais como a indústria aeronáutica, vários projetos na área das TIC e agricultura, que beneficiou dos novos blocos de rega da barragem do Alqueva e das novas tecnologias”, lembra Arnaldo Frade, considerando que a “rápida” evolução tecnológica e digital em curso e as suas implicações no mercado de emprego regional, “constituem mais um grande desafio para a região e para o serviço público de emprego”.

 

Com a pandemia, multiplicaram-se os casos de pessoas que se instalaram em territórios do interior, deixando as grandes cidades. “O mundo do trabalho tem vindo a mudar e, por via da revolução tecnológica, a mudança tem sido muito rápida. Neste momento, é ainda difícil imaginar como será num futuro muito próximo, mas é seguro que terá fortes implicações no conhecimento, nas competências, na formação, nas profissões e no mercado de trabalho em geral”, conclui Arnaldo Frade.

 

DIFICULDADES DE QUEM CHEGA AO MERCADO DE TRABALHO

 

Rita Gonçalves tem 36 anos e é licenciada em Sociologia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Inês Ricardo tem a mesma idade, é licenciada em Desporto, Atividade Física e Lazer, pela Escola Superior de Educação, do Instituto Politécnico de Beja. Olinda Guerreiro tem 35 anos, é licenciada e mestre em Engenharia Alimentar, pela Escola Superior Agrária, do Instituto Politécnico de Beja, e doutorada em Ciências Veterinárias, na especialidade de Produção Animal, pela Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa. Três alentejanas que têm em comum o grau académico e a proximidade etária, mas que conheceram percursos distintos no universo laboral.

 

Volvido um ano sobre o regresso ao Alentejo, e depois de vários currículos enviados e entrevistas realizadas, Rita Gonçalves optou por trabalhos temporários. Inicialmente como comunicadora no ‘call center’ da Portugal Telecom e depois como assistente de um consultório médico. Entretanto, surgiu a oportunidade de trabalhar na área da formação profissional, no IEFP, como formadora de Cidadania e Empregabilidade. Posteriormente iniciou funções como assistente administrativa num grupo empresarial que opera no setor alimentar, onde se mantém até hoje.

 

Sobre o desajuste entre o que faz e o que poderia fazer em função das competências académicas adquiridas, Rita Gonçalves avança vários fatores justificativos: “A exigência do mercado de trabalho na demanda de experiência profissional, a inexperiência e a imaturidade. Na minha opinião existe um desfasamento entre o que é ensinado no ensino superior e o que é exigido no mercado de trabalho. A componente prática e as competências comportamentais e sociais são cada vez mais valorizadas, matérias pouco desenvolvidas no ensino”.

 

Atualmente, concilia a sua atividade profissional com os estudos. Voltou à escola, ingressou no curso de Gestão de Empresas, na Escola Superior de Tecnologia e Gestão, do IPBeja. “Espero, através desta formação, obter as ferramentas necessárias para vir a desenvolver, num futuro próximo, uma atividade profissional mais de acordo com o meu perfil académico”.

 

Depois de terminar o curso, em 2007, Inês Ricardo começou a trabalhar num ginásio em Beja, e pouco tempo depois surgiu-lhe a oportunidade de integrar um novo projeto na mesma área. “Foi aqui que fiz o meu estágio profissional e onde fiquei a trabalhar até 2009, altura em que fui para Sines e comecei a colaborar numa cadeia de ginásios. Em setembro desse ano desenvolvi uma atividade para a Câmara de Sines, e como uma das técnicas pediu um ano de licença sem vencimento, recebi a proposta para trabalhar no departamento de desporto, assumindo várias funções. Infelizmente não houve possibilidade de continuar lá. A partir daqui nunca mais trabalhei a tempo inteiro naquela que foi a minha área de formação, e tive de agarrar outras oportunidades de trabalho”.

 

Dessas oportunidades que Inês Ricardo agarrou, a última foi na área da animação/restauração, num ‘pub’ da cidade de Beja. Depois veio a pandemia, veio o agudizar da crise no setor e, com ela, a perda do posto de trabalho e a inscrição no centro de emprego. Foi através desta contingência laboral, que acabou ingressando num curso profissional de Técnico Auxiliar de Farmácia. “Estou a gostar bastante da formação, pois está a ser muito desafiante e interessante, tanto a nível profissional, pelos conhecimentos que estamos a adquirir para futuramente podermos ser bons profissionais na área, como pela parte pessoal, que nos traz mais sabedoria e autonomia no nosso dia-a-dia. Neste momento, o meu foco e empenho é terminar o curso, tirar dele o melhor proveito possível, e que num futuro próximo me surjam oportunidades de trabalho”, conclui.

 

Ao contrário de Rita e Inês, Olinda Guerreiro tem todo o seu percurso profissional ligado à área de estudo académico e ao Centro de Biotecnologia Agrícola e Agroalimentar do Alentejo (Cebal), instituição onde começou a colaborar ainda durante a licenciatura, efetuando o estágio final de curso, em 2008, e um estágio profissional, através do qual deu continuidade ao trabalho já iniciado. Seguiu-se o mestrado e o doutoramento, e a atribuição de uma bolsa pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Neste momento, trabalha na área da transferência de tecnologia e conhecimento científico, mais concretamente na valorização de subprodutos agroindustriais para aplicação na alimentação animal, em que se pretende fazer a interação entre a ciência e o tecido produtivo da região.

 

Olinda Guerreiro acredita que a região “tem potencial e capacidade” para atrair recursos humanos altamente qualificados. “Ainda há algum trabalho a fazer, mas julgo que estamos no bom caminho. Há que conseguir ultrapassar o problema da desertificação do interior, mas têm surgido novos negócios nos últimos anos, principalmente, ligados à agricultura, para além das novas entidades ligadas ao sistema científico e tecnológico, como o Cebal, por exemplo, que tem ajudado a atrair e a fixar mais pessoas com formação académica na região. Em suma, acho que há um esforço crescente no sentido de tornar o Alentejo mais atrativo, mais sustentável, mais competitivo, mostrando o seu potencial e demonstrando que é possível viver no Alentejo com qualidade de vida”, conclui.

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