Diário do Alentejo

Culturas intensivas preocupam Assembleia Municipal de Beja

05 de março 2021 - 16:00

A mudança de paradigma da agricultura no Baixo Alentejo, em geral, e no concelho de Beja, em particular, em consequência da aposta no regadio resultante da entrada em funcionamento do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva (EMFA) criou desafios que aconselham a “concertação e compatibilização de valores e interesses de agentes económicos, institucionais e da população”. Esta é uma das recomendações que resulta do relatório “Reflexões sobre a Intensificação da Agricultura – Perspetivas e Impactos” produzido por um grupo de trabalho no âmbito da Assembleia Municipal de Beja. Os impactos negativos nos solos e recursos hídricos, a destruição da paisagem e a quase nula criação de emprego é a face negra do estudo.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

Conciliar as ambições “produtivistas”, mas preservar os valores biofísicos e ao mesmo tempo aumentar a empregabilidade, não prejudicar a qualidade do ar e dos recursos hídricos e impedir impactos negativos na saúde pública, são alguns dos fatores da equação, cujo resultado cria alguma “preocupação” aos relatores do estudo “Reflexões sobre a Intensificação da Agricultura”. Desde logo porque o grupo de trabalho constatou a “insuficiência de meios para pôr em prática e fazer cumprir a legislação e a regulamentação” existentes e que visam assegurar a sustentabilidade, nomeadamente, através “do licenciamento de atividades no espaço rural quando ocorrem mudanças de ocupação do solo”.

 

Um desafio “complexo” que exige respostas “abrangentes” que permitam “desbloquear as várias componentes que constituem estrangulamentos ao desenvolvimento sustentável do território e promoção da qualidade de vida das populações”. E há muito para onde apontar. A começar pelo pouco retorno para as populações, impactos no solo e no ar e mudança da paisagem.

 

O documento, desenvolvido por um grupo de trabalho que incluía membros de todas as forças partidárias representadas na Assembleia Municipal de Beja, começou a ser trabalhado em maio de 2019 e foi alvo de várias sessões com técnicos especialistas, entidades coordenadoras e empresariais, associações ambientais e de defesa do património e cidadãos em geral.

 

PRINCIPAIS PROBLEMAS

 

A criação de emprego “ficou aquém das expectativas iniciais”, já que as culturas escolhidas necessitam de pouca mão-de-obra “comparativamente com outras que foram identificadas previamente” durante os estudos para a implementação do EFMA, o que se constata com a “tendência de decréscimo demográfico” na região, refere o documento. O impacto nos recursos hídricos – águas superficiais e subterrâneas -, a erosão do solo devido “à sobrecarga de produtos químicos”, a qualidade do ar, “em resultado de contaminações aéreas, com reflexos nas áreas residenciais” e a perda de biodiversidade e de recursos cinegéticos, são outros dos impactos negativos suscitados pelo relatório.

 

No entanto, segundo especialistas que participaram no debate, em relação às águas superficiais (rios, barragens e represas) não existem indícios “de que a sua qualidade tivesse piorado”. O mesmo não se pode dizer em relação aos aquíferos subterrâneos, de acordo com dados divulgados pela Agência Portuguesa do Ambiente, citados no estudo. Quanto à biodiversidade, os técnicos foram mais conclusivos reconhecendo “degradações evidentes e prejudiciais”, mas ressalvando ser “possível, através da implementação de boas práticas, minimizar os efeitos provocados”. Sobre o solo foram identificados “processos erosivos intensos e transporte de sedimentos, em grande parte solo arável, que causa inclusivamente perigosidade em áreas de deposição, devido ao arrastamento de materiais e à intensidade dos caudais hídricos”, o que provoca alagamentos, cheias, e frequentes de destruição de caminhos.

 

É claro que “a compatibilização de usos e ocupações do solo” está regulamentado por normas que visam “o ordenamento e desenvolvimento estratégico” do território, nomeadamente através do Plano Diretor Municipal (PDM) de Beja, mas o seu cumprimento “nem sempre acontece”, constata o relatório. O documento assinala ainda que são as gerações mais idosas as mais afetadas com as alterações na paisagem que “afetam os referenciais de memória coletiva” postos em causa “por roturas de equilíbrios biofísicos e de padrões estéticos”.

 

Como já referido, a perda de população é considerada “a causa e a consequência” do declínio das economias locais e, assim, “a criação de emprego constitui um fator decisivo para ultrapassar esse ciclo, pois assume-se como um dos pressupostos estruturantes mais importantes para garantir a atratividade demográfica”, portanto, dar prioridade a “atividades geradoras de emprego, assegurar a qualificação profissional, contribuir para a dignificação do trabalho, das atividades e das profissões presentes no espaço rural, associadas à produção de bens alimentares e dos serviços ambientais e de fruição do território”, é a solução apontada para o problema.

 

Para que isso seja possível é fundamental “desenvolver intervenções conjuntas por parte das diversas entidades, subordinadas a um quadro de colaboração e concertação de posições a assumir de forma coerente no território”, para “implementar, de forma concertada, intervenções conducentes ao desenvolvimento sustentável e inclusivo”.

 

PROFUNDA MUTAÇÃO

 

É consensual que uma “profunda mutação, com impactes significativos ao nível económico, social e ambiental” está em curso no território, mas as opiniões registadas nas sessões realizadas – umas mais otimistas, outras mais pessimistas - face às alterações verificadas não foram unânimes tendo em vista as condições de evolução do território. Se por um lado uns defenderam o processo em curso com “a necessidade de valorizar o território”, outros contrapuseram que o território estava a ser “prejudicado” tendo em conta “a delapidação de recursos e a poluição gerada” pela agricultura de modo intensivo

 

Acresce que “as estratégias, políticas e intervenções de coordenação e de cooperação institucional seguidas para a coesão, a partir do aproveitamento das potencialidades dos ativos locais e regionais, não têm sido suficientemente eficazes para implementar uma abordagem territorial integrada” que dê resposta à perda demográfica, promova a inclusão, estimule a igualdade de oportunidades, reforce as redes de dinamização económica e social, potencie a inovação social e fortaleça a coesão sociocultural, lê-se no relatório.

 

ECONOMIA LOCAL

 

Apesar de não ser consensual, o documento afirma que “houve um reconhecimento generalizado de que a intensificação da agricultura, baseada no EFMA, tem tido um efeito positivo ao nível da geração de emprego”. Outra coisa é saber “até que ponto o emprego criado, em termos quantitativos e qualitativos, corresponde às expectativas subjacentes aos estudos iniciais que justificaram o EFMA, baseadas em modelos de exploração diversificada que na altura foram identificados, e se o emprego gerado se revela suficiente para inverter o processo de perda sistemática de população ocorrida nas últimas décadas no espaço rural”.

 

Em contraponto, é sublinhado que a agricultura monocultural, como é reconhecido pelo próprio Governo, é “pouco ajustada às exigências de desenvolvimento e de reforço da base económica do concelho”, apontando como alternativa “a diversificação da agricultura, sobretudo no espaço destinado à intensificação, a par da afirmação e valorização dos produtos tradicionais de base local, da paisagem e da cultura dos territórios rurais”.

 

Recorrente no relatório é a referência à necessidade de aproveitar a nova realidade para promover a “qualidade de vida e bem-estar das populações”, como forma de “atrair novos residentes”, objetivo que não tem sido alcançado.

 

Aliás, é apontado que o recurso à “importação de mão-de-obra barata de países remotos” revelou-se um novo normal que está “associado à precariedade laboral e às condições de acolhimento pouco adequadas, pressupostos que dificultam a fixação de novos residentes”, considerando que este ‘modus operandi’ dos empresários agrícolas “vem distorcer a relação de oferta/procura no mercado de trabalho, subtraindo competitividade, sobretudo aos recursos humanos indiferenciados de origem nacional”, mas também aqui as opiniões manifestadas não reúnem consenso.

 

No entanto, lê-se no documento, “nestas condições, é difícil promover a inserção dos jovens de origem nacional, inclusivamente dos mais qualificados, no mercado de trabalho e criar condições para a inserção dos desempregados de longa duração na vida ativa”, sendo que, para minimizar o impacto do trabalho sazonal, é apontada a diversificação das atividades económicas, nomeadamente nos setores do turismo e serviços ambientais em espaço rural.

Os impactos nas áreas do ambiente e do património foram objeto de manifestações de “preocupação” perante a intensificação dos processos de produção agrícola intensivos. O respeito pelas faixas sanitárias e de proteção paisagística em relação aos aglomerados populacionais, a par dos efeitos na saúde pública, bem como a destruição de caminhos que impedem a mobilidade no espaço rural, foram algumas das questões levantadas.

 

TRABALHADORES SAZONAIS E DIREITOS LABORAIS

 

O comissário europeu da Agricultura e Desenvolvimento Rural, Janusz Wojciechowski, disse a semana passada em Bruxelas que está a ser equacionada a “exclusão” das ajudas da Política Agrícola Comum (PAC) às explorações agrícolas que não respeitem os direito laborais dos trabalhadores sazonais. A proposta não é consensual, mas Wojciechowski diz que “as negociações estão avançar bem” e confia que a reforma da PAC possa ser concretizada entre o Conselho e o Parlamento Europeu nos próximos meses. O comissário admite que a questão é “controversa”, mas refere que existem “muitas informações de abusos em toda a União Europeia (UE)” pelo, no seu entender, é “muito importante poder excluir os beneficiários dos fundos da PAC” que não respeitem os direitos sociais. “Estou a favor desta solução. Agora a questão é como fazer ou conseguir, em que lugar deveria ser incluído”, precisou. Outro tema politicamente sensível tem a ver com a percentagem de pagamentos diretos através de “eco esquemas”, um instrumento europeu que incentiva as práticas agrícolas e pecuárias sustentáveis. Neste caso em particular o conselho aponta 20 por cento, mas o parlamento quer 30 por cento.

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